Fatura da crise: Enel SP acumula R$ 404 milhões em multas da Aneel; 85% do valor foi aplicado nos últimos três anos

 

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A fatura de multas da Enel São Paulo já soma mais de R$ 404,6 milhões desde 2018, sendo que a maior parte dessa conta foi gerada recentemente. Dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) analisados pelo GLOBO apontam que o valor das punições explodiu a partir de 2022, culminando em um recorde histórico em 2024, quando a concessionária foi multada em R$ 165,8 milhões, um aumento de 920% em relação ao patamar verificado antes da atual crise de apagões.

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Mais de 1,5 milhão de imóveis em 24 cidades atendidas pela empresa permaneciam sem luz na manhã desta quinta, cerca de 1 milhão apenas na capital, após os ventos que atingiram a região com rajadas de até 98 km/h no dia anterior. A falta de energia ainda afeta serviços essenciais, como semáforos, abastecimento de água e mobilidade urbana.

O levantamento revela dois momentos distintos na relação entre o órgão regulador e a distribuidora: um período de estabilidade com multas menores, muitas já pagas ou reduzidas após recursos, e uma fase recente de infrações mais graves, cujos processos milionários ainda tramitam na esfera administrativa e na Justiça.

Entre 2018 e 2021, a Enel SP operou sob um regime de penalidades que, somadas, giravam em torno de R$ 15 milhões anuais. A maioria desses processos já foi encerrada administrativamente, frequentemente com redução significativa dos valores originais após a empresa apresentar recursos.

O ciclo analisado começa em novembro de 2018, com uma multa originalmente estipulada em R$ 38,5 milhões, e posteriormente reduzida para R$ 16,2 milhões no encerramento do processo em junho de 2022. O motivo da punição foi a falha na "Qualidade de Atendimento ao Consumidor", enquadrada nos Grupos II e III da regulação, indicando descumprimento de metas de serviço.

Vendaval derruba árvore na Avenida Rio Branco, região central de SP

Maria Isabel Oliveira/ O GLOBO

Em 2019, a fiscalização focou em falhas de gestão e processos comerciais. Em julho daquele ano, a empresa foi autuada por não cumprir determinações anteriores do regulador. O valor final ficou em R$ 1,8 milhão após o encerramento em maio de 2024. Meses depois, em novembro, irregularidades comerciais — como problemas de cadastro e faturamento — geraram uma fatura final de R$ 12 milhões.

O ano de 2020 marcou infrações de natureza puramente técnica, ligadas à operação e manutenção da rede, resultando em uma multa consolidada de R$ 12,7 milhões. O cenário começou a mudar em agosto de 2021, quando uma infração técnica foi classificada como "grave". Diferente dos anos anteriores, neste caso não houve redução registrada: o valor de R$ 16,2 milhões foi mantido integralmente no encerramento do processo em janeiro de 2022.

Explosão dos valores em 2022

A partir de 2022, os dados indicam uma deterioração abrupta nos indicadores da concessionária. O "padrão" de multas de R$ 16 milhões foi rompido em julho de 2022. Pela primeira vez na série histórica recente, a Enel SP recebeu uma multa de R$ 95,8 milhões. A infração, de natureza técnica e classificada como “gravíssima”, já sinalizava problemas estruturais na rede. Até o momento, a decisão do juízo administrativo manteve o valor integral, e o processo segue em aberto, sem termo de encerramento.

A escalada para o recorde de multas teve seu capítulo decisivo em novembro de 2023, quando outro vendaval de grandes proporções mergulhou a Grande São Paulo em um apagão que, para milhares de clientes, estendeu-se por quase uma semana. Naquela crise, foi a demora na resposta àquele blecaute que serviu de base para as investigações mais rigorosas da agência reguladora, pavimentando o caminho jurídico e técnico para a sanção histórica que seria aplicada meses depois.

Apagão na região central de São Paulo em março

Paulo Pinto/ Agência Brasil/18-03-2024

Em fevereiro de 2024, foi aplicada a maior multa individual à empresa no período: R$ 165,8 milhões. Assim como em 2022, a motivação foi técnica e de alta gravidade. Segundo dados da Aneel, a multa foi suspensa pela Justiça Federal, após processo movido pela Enel contra a agência reguladora.

Na decisão de março de 2024, o juiz federal Mateus Benato Pontalti, da 13 ª Vara Federal do Distrito Federal, acolheu um pedido de antecipação de tutela solicitado pela Enel, suspendendo a tramitação da multa

Na decisão, o juiz federal também proibiu que a Aneel inscrevesse a concessionária de SP no cadastro de empresas em débito com o governo federal, obrigando o órgão a emitir Certidão Positiva de débitos da Enel com o fisco federal, em razão do não pagamento da multa milionária.

Mesmo com a pressão pública e regulatória, as infrações continuaram e, em outubro de 2025, a Aneel registrou outra multa no valor de R$ 83,7 milhões.Desta vez, a natureza da infração é comercial, mas com uma abrangência inédita: a autuação cita infrações que vão do Grupo I (leves) ao Grupo V (gravíssimas).

Resumo da Fatura

Somando-se os processos já encerrados (com valores reduzidos) e os que ainda estão em disputa (com valores originais mantidos), o passivo da Enel SP com a Aneel está da seguinte forma:

2018: R$ 16.214.457,76 (Qualidade)

2019: R$ 13.945.060,94 (Comercial/Gestão - soma de duas multas)

2020: R$ 12.716.322,04 (Técnica)

2021: R$ 16.245.909,83 (Técnica Grave)

2022: R$ 95.872.180,95 (Técnica Grave - Em aberto)

2024: R$ 165.807.883,49 (Recorde Histórico - Em aberto)

2025: R$ 83.799.066,40 (Comercial Sistêmica - Em aberto)

Total Acumulado: R$ 404.600.881,41

Enel na mira da Aneel em processo que pode levar ao fim de concessão

O apagão pressiona ainda mais a Enel na esfera regulatória, já que a empresa é alvo de um processo de análise da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) que pode culminar na caducidade da concessão. Do lado político, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), voltaram a criticar publicamente a concessionária e pediram a intervenção dos órgãos federais na concessão ou a rescisão do contrato.

A empresa é responsável por distribuir energia elétrica para 24 municípios, incluindo a capital, que somam 8,5 milhões de clientes ao todo. A concessão foi assumida pela Enel em 2018, quando a empresa italiana comprou a Eletropaulo, mas virou epicentro de crises desde 2023, por conta dos apagões que impactaram milhões de pessoas na maior cidade do país.

Histórico da crise no fornecimento de luz em São Paulo

Editoria de Arte

Desde então, a concessionária virou alvo de um processo de fiscalização da Aneel, que cobra melhorias nos indicadores da empresa especialmente para reduzir o tempo médio de atendimento a ocorrências emergenciais, a redução das interrupção de 24 horas ou mais e a melhoria na capacidade de mobilização de equipes em caso de eventos climáticos extremos. No mês passado, a Aneel decidiu prorrogar o prazo da fiscalização até março de 2026, para avaliar como o serviço vai ser prestado no período de chuvas — em São Paulo, geralmente entre dezembro e fevereiro.

Como esta avaliação está em curso, o desempenho da empresa no apagão desta semana também será considerado pela agência reguladora, colocando ainda mais pressão sobre a concessionária, que em paralelo tenta renovar a concessão no estado para mais 30 anos.

Procurados pelo GLOBO, a Enel SP e Aneel ainda não se manifestaram até a última atualização da reportagem.