‘Falha de governança, balanço inflado e má-fé’: os argumentos do ex-CFO da Ambipar sobre a crise na companhia
A defesa do ex-diretor financeiro (CFO) do Grupo Ambipar, João Arruda, ingressou na Justiça de São Paulo, no fim da última semana, com um pedido de busca e apreensão de documentos que possam constituir provas contra diretores do grupo de gestão ambiental.
O executivo vem sendo colocado pela Ambipar no centro da crise financeira que levou a companhia a pedir proteção à Justiça contra execuções movidas por credores e, na sequência, apresentar seu pedido de recuperação judicial.
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A medida vem após a abertura de um inquérito policial em São Paulo pela Ambipar, no último dia 14 de outubro, para investigar Arruda pelos supostos crimes de falsidade ideológica, fraude e abuso na administração da companhia e estelionato.
A Ambipar argumenta que teve de pedir proteção judicial após o Deutsche Bank ter feito uma cobrança de garantias vinculadas a um empréstimo de US$ 35 milhões, alteradas em agosto por meio de um aditivo a um contrato de derivativos firmado com a instituição, que poderia funcionar como gatilho para a antecipação de até R$ 10 bilhões em débitos com diversos bancos.
O pedido de Arruda é para que sejam feitas buscas e apreensão na sede da companhia para mapear e apreender documentos que demonstrem quais foram as negociações internas que levaram à assinatura do aditivo ao contrato de derivativos com o Deutsche Bank. A defesa do executivo alerta que essas provas poderiam ser destruídas e diz que pretende, com a medida, identificar administradores, executivos e conselheiros que poderiam ter participado ou se omitido diante de eventuais irregularidades.
‘Bode expiatório’
Arruda, que foi executivo do Bank of America (BofA) e atuou no processo de abertura de capital em Bolsa (IPO) pela Ambipar em 2020, assumiu o cargo de diretor financeiro da companhia em agosto de 2024. Durante sua gestão, um contrato de derivativos assinado com o BofA foi transferido para o Deutsche Bank. Houve, posteriormente, o aditamento desse contrato.
A Ambipar atribui a Arruda a responsabilidade pela negociação das novas condições do contrato de derivativos, frisando que essas movimentações junto ao Deutsche Bank ocorreram sem o aval do conselho de administração da companhia.
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O documento assinado pelos escritórios W Faria, David Rechulski e Vieira Rezende, à frente da defesa de Arruda, porém, afirma que a Ambipar quer fazer do executivo “bode expiatório” da crise da empresa, num movimento de "má-fé", enquanto os responsáveis seriam seu controlador e CEO, Tércio Borlenghi Júnior, e outros diretores estatutários, nominadamente Guilherme Borlenghi, diretor de Operações e filho de Tércio; Thiago da Costa e Silva, diretor de Integração e Finanças, e Luciana Barca Nascimento, diretora adjunta.
A transferência do contrato de derivativos do BofA para o Deutsch Bank é assinada por Guilherme Borlenghi, segundo documento ao qual o GLOBO teve acesso, enquanto o aditivo ao contrato foi chancelado pelos dois outros executivos.
A petição sustenta ainda que o questionamento à assinatura de documentos pelos executivos da alta gestão da companhia, sob o argumento de que teriam feito isso sem o devido conhecimento do conteúdo dos contratos, configurariam uma "falha de governança".
A cronologia da renúncia
Em meados de agosto, Arruda afirma ter tomado conhecimento de questões que, de acordo com o documento enviado a Justiça por seus advogados, mostravam que Tércio Borlenghi Júnior e diretores de sua confiança estavam fazendo negociações paralelas com bancos e credores, sem a inclusão do ex-diretor financeiro nas conversas.
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A decisão de Arruda em deixar a companhia teria vindo após a descoberta da existência de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios (FDIC) que seria administrado por Guilherme Borlenghi. A defesa do executivo sustenta que negociações financeiras envolvendo esse fundo foram feitas sem aprovação do conselho de administração ou manifestação do comitê de auditoria da companhia.
Esse FDIC, de acordo com a petição, concentrava R$ 1,8 bilhão em recursos que eram declarados como “caixa” pela Ambipar. Esse volume, no entanto, diz a petição, seria composto por recebíveis de empresas do próprio grupo, ou seja, de operações entre partes relacionadas, “com cessões de créditos intragrupo e garantias cruzadas”.
Essa estrutura não representaria liquidez da companhia, mas “evidenciaria uma engenharia contábil artificialmente desenhada para inflar o balanço da companhia e mascarar sua real situação financeira”, segundo a petição enviada à Justiça de São Paulo.
Em 19 de setembro, Arruda renunciou ao cargo, comunicando ao Conselho que “a recorrente falta de visibilidade em operações que julgo relevantes, inclusive com questionamentos recentes de bancos, stakeholders e agências de rating sobre temas dos quais não tive qualquer ciência, torna insustentável a minha permanência”. O executivo enviou também uma carta ao CEO da companhia por e-mail, como já relatou o GLOBO.
Procurada, a Ambipar informou que não vai comentar o assunto.
