
Exército, Correios e Congresso: fintech acusada de ser 'banco paralelo' do PCC tinha contratos com órgãos federais e prefeituras

Um nome já familiar em investigações do crime organizado ressurgiu na Operação Spare, deflagrada nesta quinta-feira (25): a fintech BK Bank. Citada na Operação Carbono Oculto como peça central na engrenagem financeira do PCC, a instituição é o principal elo com a nova investigação, que mira um esquema de exploração de jogos de azar e venda de combustíveis adulterados. Antes de ser exposta, a BK Bank prestava serviços para órgãos federais como os Correios, a Câmara, o Senado e o Exército, além da Prefeitura de Ribeirão Preto.
Motéis, laranjas, franquias, postos de gasolina: quem é o empresário alvo do MP suspeito de lavar dinheiro para o PCC
Veja também: Motéis movimentaram R$ 450 milhões em 4 anos para o PCC em esquema investigado pelo MP
Os Correios suspenderam o contrato com o BK Bank após a primeira operação. A fintech era responsável por operacionalizar pagamentos com cartão de crédito e débito nas agências próprias. Apesar da proximidade dos fatos, os Correios não confirmam na época que a medida não estava relacionada às investigações do Ministério Público, Receita Federal e Polícia Federal contra o BK Bank.
A companhia que prestava o serviço é a Berlin Finance, antigo nome da fintech BK Bank, vencedora da licitação realizada em 2021. O GLOBO apurou que problemas técnicos relevantes foram identificados e o histórico de falhas da empresa pesou na avaliação da estatal, que tomou a decisão de suspender o contrato no dia da operação.
Flávio Silvério Siqueira e o efetivo policial da Operação Spare, em SP
Reprodução
Com a suspeita da BK ser o banco paralelo do PCC, veio à tona também o vínculo contratual que a fintech mantinha com o Exército Brasileiro. Assinado em 4 de agosto, o acordo tinha validade de um ano e um valor de R$ 18 mil. O objetivo era fornecer máquinas de cartão de crédito e débito para a Biblioteca do Exército, que comercializa livros em seu site, lojas físicas e eventos.
No entanto, poucas semanas depois da assinatura, em 28 de agosto, a BK Bank se tornaria um dos principais alvos das operações voltadas a desmantelar a infiltração do PCC nos setores de combustíveis e financeiro. Em resposta ao escândalo, o Exército afirmou que daria início a um processo administrativo para investigar um possível descumprimento contratual por parte da BK Bank.
A decisão foi tomada após a Força ter ciência das operações policiais e ser notificada pela própria fintech sobre o bloqueio de suas contas e a consequente impossibilidade de executar o serviço. Procurado pelo GLOBO, o Exército não confirmou se o contrato foi extinto ou não.
A empresa também mantinha vínculos contratuais com outras instituições importantes, como o Serpro, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. O Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro), empresa de tecnologia ligada ao Ministério da Fazenda, anunciou na época da Carbono Oculto que iria rescindir o vínculo que possuía com a BK.
Em comunicado anterior, o Serpro informou que a fintech havia sido escolhida por meio de um pregão eletrônico para um contrato de cinco anos, assinado em maio, no valor total de R$ 271,9 mil. A estatal ressaltou que, na época da contratação, o "grau de risco atribuído à instituição era considerado baixo". No entanto, afirmou que a rescisão servia para reafirmar o "compromisso da estatal e do governo brasileiro com a legalidade, a integridade e o combate à corrupção em todas as suas formas".
Com o Poder Legislativo Federal, a BK Bank também possuía contratos ativos abrangendo a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Na Câmara, o atual contrato foi assinado em maio de 2025, antes da empresa ser acusada de envolvimento com o crime organizado. Segundo a Casa, a vigência contratual para prestação de serviços de intermediação de pagamento por meio eletrônico segue até maio de 202, no valor mensal de R$ 480.
A Câmara informou ainda que a BK suspendeu o serviço desde a operação da Polícia Federal. Devido à falha no cumprimento do contrato, os pagamentos mensais à empresa foram retidos e um procedimento procedimento para a aplicação de penalidades foi aberto. Em nota, a Câmara afirmou que o contrato encontra-se em processo de rescisão contratual unilateral.
Já o Senado possui um contrato semelhante para a intermediação de pagamentos eletrônicos nas livrarias e eventos. Assinado originalmente em 2020, o acordo já foi prorrogado por meio de sete termos aditivos, sendo o mais recente assinado em 26 de agosto, apenas dois dias antes das operações da Polícia Federal e do Ministério Público. O valor anual deste contrato é de cerca de R$ 34 mil, passível de reajuste.
Prefeitura de Ribeirão Preto
Na esfera municipal, a Prefeitura de Ribeirão Preto (SP) mantinha pelo menos dois contratos com a fintech nas áreas de saúde e transporte. Os acordos foram rompidos neste ano, antes da megaoperação, mas nenhum deles faz parte das investigações que ligam a fintech com o crime organizado.
O acordo entre BK e a RP Mobi, que administra o trânsito na cidade, foi firmado em março de 2023, na administração passada, e prorrogado no ano passado. A empresa era responsável por gerenciar os pagamentos em crédito e débito dos serviços da RP Mobi. De acordo com informações do Portal da Transparência da Prefeitura de Ribeirão Preto, foram pagos R$ 3.036.481,15 para o BK entre dezembro de 2023 e fevereiro de 2025.
Além do contrato com a RP Mobi, o BK Bank também mantinha um contrato com a Secretaria de Saúde, fechado em novembro de 2023, também na administração passada. O acordo servia para fornecimento de cartões eletrônicos de benefício vale fralda para quem tinha processos judiciais. O valor era de quase R$ 3,2 milhões e foi pago nos últimos anos, de acordo com informações do Portal da Transparência.
BK é elo entre operações
Segundo as investigações da Carbono Oculto, a fintech atuava como o braço financeiro de captação de recursos e aquisição de empresas, viabilizando a movimentação de valores e a ocultação de sua origem ilícita. Já na Spare, a quebra de sigilo revelou movimentações financeiras idênticas dos dois postos citados. Ambos transferiam valores recebidos para o BK Bank, que ficaria responsável por ocultar a origem ilícita e a destinação final.
O MP destacou que as investigações que levaram à Operação Spare identificaram uma "complexa rede de pessoas físicas e jurídicas" envolvidas no esquema, além de vínculos com empresas do ramo hoteleiro, postos de combustíveis e instituições de pagamento. Os acusados adotaram um sistema de contabilidade paralela para dificultar o rastreio dos recursos.
Infográfico mostra como funcionava o esquema criminoso desmantelado pela Operação Spare
Divulgação
A organização criminosa, segundo a Promotoria, utilizava empresas de fachada e laranjas como sócios para movimentar valores. Entre elas, as empresas Zangão Intermediações, Optimus Intermediações, Athena Intermediações e Cangas Intermediações e Negócios.
No caso da Carbono Oculto, o método principal, de acordo com as apurações, era o uso de "contas bolsão" , em que valores de diferentes clientes eram reunidos em uma única conta. Esse mecanismo permitia compensações internas e dificultava o rastreamento dos recursos, criando obstáculos ao sistema antilavagem.
O volume de transações consideradas atípicas na instituição somou cerca de R$ 17,7 bilhões em créditos e um valor idêntico em débitos com empresas ligadas ao PCC. Parte significativa desse fluxo passou pela filial de Ribeirão Preto, que tinha ligação direta com as atividades do grupo em usinas sucroalcooleiras e distribuidoras de combustíveis.
Em outro eixo, a BK serviu de canal para uma rede de postos que movimentou mais de R$ 54 bilhões, mas declarou ao fisco apenas 0,17% em tributos, índice considerado incompatível para empresas tributadas pelo lucro real.
Procurados pelo GLOBO, BK Bank, Exército e Senado não enviaram posicionamento até a última atualização desta reportagem.