Ex-piloto mais velho da Fórmula 1 vivo é brasileiro e completa 100 anos hoje: 'Eu era muito amigo do Fangio'
Ele não chegou a conquistar títulos ou vitórias na Fórmula 1, mas hoje é um capítulo especial da história da mais importante categoria do automobilismo mundial. Filho de pai brasileiro e mãe francesa, Hermano da Silva Ramos nasceu em Paris no dia 7 de dezembro de 1925 e completa 100 anos neste domingo. Com dupla nacionalidade, o ex-piloto de F1 mais velho vivo representou o Brasil nas pistas e é um dos pioneiros do país na categoria que surgiu em 1950 e até hoje seduz fãs em todo o mundo.
Nascido na capital francesa em 1925, Hermano passou a infância e a adolescência no Rio de Janeiro. O fato de ter nascido em Paris não faz dele “menos” brasileiro. Nelsinho Piquet, que já competiu na F1, e Max Wilson, que foi piloto de testes na categoria, nasceram na Alemanha e são brasileiros de corpo e alma. Outros estrangeiros também nasceram em um país e competiram por outra bandeira, como o holandês Max Verstappen, que nasceu na Bélgica. Outro campeão da F1, Jochen Rindt nasceu na Alemanha, mas carregava no coração a bandeira da Áustria.
— Sinto que sou muito mais brasileiro do que francês no automobilismo — destacou.
Nano, como é carinhosamente chamado pela família e amigos, competiu no esporte a motor durante as décadas de 1940 a 1960, estampando a bandeira brasileira em seus macacões e carros na maioria das corridas que disputou.
Hermano da Silva Ramos (ao centro), mecânicos e Amédée Gordini (à esquerda), fundador da equipe francesa, momentos antes da largada para o GP da França de 1956, no circuito de Reims
Arquivo pessoal
Conhecido pelos europeus como Da Silva desde os tempos em que entrava nos cockpits e acelerava os mais diversos carros de competição, Hermano foi o terceiro piloto do Brasil na história da Fórmula 1. Ele se aventurou nos gloriosos, e não menos perigosos, anos 50 da F1. Antes dele, apenas Chico Landi e Gino Bianco tinham representado o Brasil na categoria.
De sua residência em Biarritz, cidade com 26 mil habitantes no litoral Atlântico, no sudoeste da França, a 40 quilômetros da fronteira com a Espanha, o ex-piloto de F1 gentilmente concedeu uma entrevista exclusiva ao GLOBO e lembrou episódios marcantes de sua carreira no automobilismo e das corridas de Fórmula 1 que disputou nos anos 50.
— Eu cheguei em quinto lugar no Grande Prêmio de Mônaco de 1956. Foi formidável! — lembra Nano, que foi o piloto da antiga equipe francesa Gordini mais bem classificado naquela corrida.
Por 14 anos, Hermano foi o piloto do Brasil com mais pontos na Fórmula 1; a marca só foi superada no GP da Alemanha de 1970, quando Emerson Fittipaldi, que fazia sua segunda corrida na F1, terminou em quarto lugar em Hockenheim.
Curiosamente, antes dos dois pontos conquistados por Hermano pela quinta colocação em Mônaco, Chico Landi havia terminado o GP da Argentina em quarto lugar, o que daria a ele três pontos no campeonato mundial de 1956. O detalhe é que, naquela corrida em Buenos Aires, a última de Landi na F1, o brasileiro precisou dividir a pilotagem da Maserati com o italiano Gerino Gerini. De acordo com o regulamento da época, em situações assim, cada piloto receberia metade dos pontos. Por isso, Landi ficou apenas com 1,5 ponto.
Anos de ouro da Fórmula 1
Além do GP de Mônaco, Nano disputou outras seis corridas oficiais na categoria entre 1955 e 1956, todas pela escuderia Gordini. Ele acelerou em circuitos lendários, como Silverstone e o antigo traçado de Monza com as curvas inclinadas. O piloto do Brasil também disputou oito GPs não oficiais entre 1956 e 1959.
Hermano da Silva Ramos disputou o GP da Itália de 1955 no traçado com as curvas inclinadas de Monza pela então equipe Gordini
Arquivo pessoal
Nano estreou na F1 no GP da Holanda de 1955, que teve dobradinha da Mercedes com Juan Manuel Fangio em primeiro e Stirling Moss em segundo.
— Fangio é considerado o melhor, mas para mim o Stirling Moss era superior. Quando eles foram companheiros de equipe, o argentino era mais velho e experiente. Então, a Mercedes, que dominava as corridas, deu preferência ao Fangio e ele conquistou o campeonato mundial — explicou Nano, que se referiu à temporada de 1955. Naquele ano, Fangio alcançou o terceiro de seus cinco títulos e Moss ficou com o vice.
O piloto argentino Juan Manuel Fangio, pentacampeão da F1, dirigindo sua Mercedes, saúda ao cruzar a linha de chegada do Grande Prêmio de Fórmula 1 em Buenos Aires, em 16 de janeiro de 1955.
AFP
Aliás, o pentacampeonato de Fangio foi um recorde que durou 46 anos. Somente em 2003 é que o recorde do sul-americano foi quebrado; naquele ano, o alemão Michael Schumacher, que viria a ser heptacampeão mundial, alcançou seu sexto título de F1.
— Eu era muito amigo do Fangio, que era o maior piloto de todos. Mas o Stirling Moss também era muito bom. Na minha opinião, o inglês era melhor. Fora da Fórmula 1, lembro que venci o Stirling Moss, que guiava um Aston Martin, numa corrida de Gran Turismo. Naquela prova, eu pilotava uma Ferrari — lembrou.
Conselho de Enzo Ferrari
Orgulhoso por ter guiado para a Ferrari, Nano lembra uma conversa que teve com Enzo Ferrari, fundador da lendária equipe italiana.
— Enzo me chamou para conversar. Ele me deu dois conselhos: mantenha-se na pista e seja rápido. Ele me disse que não iria falar novamente sobre isso. Ele falou que se eu quisesse ganhar deveria fazer dessa forma ou, então, ele me colocaria para fora [da equipe]. Na corrida seguinte, havia 15 carros da Ferrari e eu superei todos. Eu pude correr e fazer o meu melhor. Eu venci em Spa, na Bélgica, que era o circuito mais difícil do mundo — recordou.
Nano também participou das 24 Horas de Le Mans. Na edição de 1959, ele competiu com a Ferrari 250 Testa Rossa em parceria com o britânico Cliff Allison na pista francesa.
— Na época, eu quebrei o recorde da pista de Le Mans, mas infelizmente o carro quebrou — contou.
Quatro anos antes, Nano também disputou as 24 Horas de Le Mans. A edição de 1955 ficou marcada pela maior tragédia do automobilismo mundial. Naquela corrida, o francês Pierre Levegh, que guiava uma Mercedes 300 SLR, morreu em um gravíssimo acidente que matou mais de 80 pessoas e feriu outras 120 que estavam no circuito. Hermano saiu ileso daquela prova.
Aos 100 anos, Nano acompanha a Fórmula 1 moderna
Mesmo tendo deixado as pistas aos 35 anos, Hermano, hoje com 100 anos, acompanha a Fórmula 1.
— A Fórmula 1 hoje é muito mais segura. Por outro lado, na época em que competi, a categoria era mais divertida. Atualmente, a F1 se tornou monótona; são sempre os mesmos que ganham as corridas — opinou.
Nos anos 1980, Nano foi apresentado a Ayrton Senna, quando o paulista dava seus primeiros passos na Fórmula 1. Ele lembra que ficou impressionado com o potencial do jovem, que se tornaria tricampeão mundial.
Hermano da Silva Ramos conheceu Ayrton Senna na época em que o paulista disputava seus primeiros GPs na Fórmula 1
Arquivo pessoal
— Muito obrigado e até logo, amigos da Fórmula 1.
Assim a entrevista foi encerrada por Nano, um dos pioneiros a erguer a bandeira brasileira a muitos quilômetros por hora nas pistas europeias.
