'Europeus resistiram até o final', diz negociador do Brasil na COP30
A COP30 deixou um saldo positivo e um horizonte de muito trabalho pela frente para ampliar consensos que não foram alcançados em Belém, principalmente sobre a elaboração de um mapa para a saída dos combustíveis fósseis. Essa é a avaliação de um dos principais negociadores brasileiros na conferência, o embaixador Mauricio Lyrio. Para ele, uma das principais vitórias dos países em desenvolvimento foi ter conseguido triplicar o financiamento para adaptação, derrubando a resistência dos europeus. “Foi o ponto mais difícil para convencimento dos países ricos”, contou Lyrio ao GLOBO.
Que balanço o senhor faz das negociações na COP30?
O balanço é positivo. Primeiro, porque a gente conseguiu preservar o regime de clima e isso não era óbvio no início do ano com a saída dos Estados Unidos (do Acordo de Paris) e com uma entrega tão acanhada de NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, os compromissos dos países para reduzir suas emissões de gases de feito estufa). Terminamos o ano com a negociação mandatada (com mandato para continuar sendo negociado na COP31), o que é sempre difícil numa COP, com uma presença esmagadora, no bom sentido, de partes sem novas defecções do Acordo de Paris, e com NDCs batendo na casa de 80% das emissões globais. Também conseguimos avançar no lançamento de iniciativas que não passavam pelo consenso, principalmente o TFFF (fundo de florestas tropicais), elemento de mudança tanto conceitual como prático na conservação de florestas.
Na questão do financiamento o senhor considera que houve avanços significativos?
O principal avanço foi triplicar o financiamento para adaptação. Os países ricos querem destinar a maior parte do dinheiro para mitigação, e os países pobres querem que os países ricos coloquem dinheiro em adaptação. Basicamente, estamos falando de investimento em infraestrutura, em capacidade de reagir a desastres naturais. Foi uma vitória do mundo em desenvolvimento. Os europeus resistiram muito a essa triplicação, porque está dentro do pacote do que eles pagam.
Esse foi um debate sensível em Belém…
Foi o ponto mais difícil para convencimento dos países ricos. Os europeus resistiram até o final.
O debate entre europeus e países como China e Índia foi intenso.
Os europeus querem que mais países contribuam com esse financiamento. A questão é que não existe no regime uma contabilidade aceita por todos sobre a responsabilidade histórica do carbono que está na atmosfera. Esse é um ponto central. A emissão anual é terrível, mas o estoque acumulado em mais de 200 anos é ainda pior. Então, os países que se desenvolveram recentemente ou que ainda estão em processo de desenvolvimento questionam ter de pagar essa conta. Os países ricos não querem uma contabilidade precisa das responsabilidades históricas. Voltamos ao conceito das responsabilidades compartilhadas, porém diferenciadas.
Como o senhor avalia a posição de China e Índia nas negociações climáticas? Foram fortes opositores ao mapa para a saída dos combustíveis fósseis…
Eles têm razões distintas. A Índia tem um problema mais agudo de acesso a energias de baixo custo, porque ainda não fez a transição que a China já iniciou. São dois dilemas distintos, e são dois países que dependem de combustíveis fósseis. No caso da Índia, diria de todas as formas de combustíveis fósseis. No caso da China, há uma pesada dependência do carvão. Mas Índia e China foram parceiros importantes na COP. A China hoje é um dos atores mais engajados em preservar o regime de combate à mudança do clima.
A Arábia Saudita teve posições muito vocais em Belém.
Em Belém, a Arábia Saudita, os países do Golfo e outros tiveram a capacidade de preservar suas posições porque um ator fundamental que antes criticava a Arábia Saudita (os EUA antes do segundo mandato de Trump) hoje tem uma linha convergente com ela na tentativa de valorização dos combustíveis fósseis.
Como vão continuar as conversas sobre o mapa? O tema será levado à Opep?
A presidência da COP30 quer ouvir diversos países e organizações que lidam com energia, inclusive a Opep, que é um ator fundamental.
O que nasceu em Belém foi uma coalizão a favor da eliminação dos fósseis?
Acho que essa avaliação de que em torno de 80 países defenderam o mapa do caminho e 80 foram contra reflete mais ou menos a realidade. Há margem (para avançar). A questão é a dificuldade de consensos universais. As principais iniciativas têm surgido de grupos não universais, e elas ganham importância nesses momentos difíceis de consenso absoluto. Foi assim com a Aliança Global contra a Fome no G20.
