EUA classificam cartel colombiano como terrorista, um dia após declararem fentanil 'arma de destruição em massa'

 

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O Departamento de Estado dos EUA anunciou que o Clã do Golfo, baseado na Colômbia e envolvido na produção e exportação de drogas, passou a ser classificado como uma organização terrorista, horas depois de designar o fentanil, droga responsável por uma crise de saúde pública no país, uma "arma de destruição em massa". As decisões se somam a uma visão militarista do governo americano para o combate ao narcotráfico, ecoando práticas e retóricas bem conhecidas da comunidade internacional.

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Na nota, assinada pelo secretário de Estado, Marco Rubio, o Clã do Golfo é mencionado como uma “violenta e poderosa organização criminosa, com milhares de membros”, cuja principal fonte de financiamento é o tráfico de cocaína. O departamento ainda acusa o cartel, que surgiu no início do século, de ser responsável “por ataques terroristas contra funcionários públicos, agentes da lei, militares e civis na Colômbia”.

Desde o início do ano, mais de grupos criminosos envolvidos com o tráfico de drogas e a exportação de substâncias proibidas aos Estados Unidos foram incluídas na lista de organizações terroristas do Departamento de Estado, majoritariamente no México, mas também na Venezuela, Haiti, nos próprios EUA e na Colômbia. E o tom que vem de Washington sugere que novas inclusões estão a caminho.

“Os Estados Unidos continuarão a usar todas as ferramentas disponíveis para proteger nossa nação e deter as campanhas de violência e terror cometidas por cartéis internacionais e organizações criminosas transnacionais”, diz o comunicado do Departamento de Estado. “Estamos empenhados em negar financiamento e recursos a esses terroristas.”

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Depois das primeiras designações, governos da região — a começar pelo México — apontaram que a medida serviria para legitimar eventuais ações militares americanas em seus territórios, sob pretexto de um ataque aos “narcoterroristas”. Em fevereiro, a presidente mexicana, Claudia Sheinbaum, disse que os EUA não deveriam usar a carta do combate ao tráfico “como uma oportunidade para invadir nossa soberania”.

Desde meados de agosto, os americanos mantém a maior presença militar na América Latina em décadas, sob pretexto de combater os cartéis, composta por 15 mil soldados, aeronaves de combate e o maior porta-aviões da Marinha, o USS Gerald Ford. Nos meses seguintes, 25 barcos acusados de estarem a serviço do narcotráfico foram bombardeados, deixando 95 mortos — o último ataque ocorreu na segunda-feira, quando três barcos foram alvejados pelos EUA na costa do Pacífico, com oito mortes confirmadas.

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Até hoje, não foram apresentadas provas de que os barcos estivessem associados ao narcotráfico, e o governo Trump se viu em maus lençois depois que a imprensa local revelou uma suposta ordem do secretário de Defesa, Pete Hegseth, para “não deixar sobreviventes” nos bombardeios.

Governos regionais também passaram a ser ameaçados. Na Venezuela, onde o presidente Nicolás Maduro é acusado de liderar uma das organizações na lista do Departamento de Estado, o Cartel de los Soles, os americanos intensificaram voos de reconhecimento perto da costa, e realizaram manobras em Trinidad e Tobago, a 11 km de distância do país.

Trump ainda autorizou operações sigilosas de inteligência em solo venezuelano, e em mais de uma ocasião sugeriu que lançaria operações por terra “muito em breve”. Em Caracas, o governo vê a mobilização como o planejamento para uma invasão, voltada à queda do regime, e intensificou seus esforços militares de defesa, assim como a propaganda anti-Washington. No começo do mês, o líder americano sugeriu que qualquer país produtor de drogas pode ser atacado, e citou a Colômbia, onde o presidente, Gustavo Petro, sofreu sanções por críticas à Casa Branca.

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A versão 2025 da “Guerra às Drogas” dos EUA reciclou ainda outros termos bem conhecidos da comunidade internacional, e que estão intrinsecamente ligados a intervenções militares americanas no exterior, de memórias pouco positivas.

Na segunda-feira, Trump designou o fentanil, uma poderosa droga sintética, como uma “arma de destruição em massa”, mesmo patamar de armas nucleares, químicas ou biológicas, ou artefatos usados em atentados.

A substância é responsável por uma dramática crise de saúde pública no país, e foi responsável por 48 mil mortes por overdose em 2024 e 76 mil em 2023. No ano passado, quando concorria a um novo mandato na Casa Branca, o combate ao fentanil foi tema central da campanha de Trump.

De volta ao poder, ele incluiu cartéis em sua lista de organizações terroristas e impôs tarifas à China — principal fonte dos produtos usados na fabricação da droga —, ao México — principal origem do fentanil —, e ao Canadá — origem de menos de 1% das apreensões pelas autoridades americanas. As organizações criminosas na América do Sul têm como principal “produto” a cocaína, e não o fentanil, embora a produção na América Central esteja em alta.

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Tal como as designações de cartéis, o termo “arma de destruição em massa” no contexto regional acendeu alguns alertas. No passado, as supostas armas do ditador iraquiano Saddam Hussein justificaram uma invasão iniciada em 2003 e que, além de não encontrar os armamentos, criou um caos reverberado até hoje no Oriente Médio. Na Líbia, o então ditador Muammar Kadhafi concordou, em 2003, em eliminar seu programa de armas de destruição em massa, em troca de boas relações com o Ocidente, mas foi derrubado (com apoio ocidental) em 2011, em meio à Primavera Árabe.

Ao comentar a decisão da Casa Branca de colocar o fentanil na mesma lista do gás sarin ou de urânio enriquecido, Sheinbaum voltou a defender a soberania mexicana.

— Somos contra qualquer intervenção, contra ela, em defesa do nosso território em qualquer lugar do mundo, mas especialmente no México. Soberania e territorialidade não estão em discussão sob nenhuma circunstância. Trata-se de colaboração e coordenação em diversas questões, mas nunca da violação da nossa soberania — afirmou a presidente, durante entrevista coletiva nesta terça-feira.