Estudo inédito mostra que apenas dois clubes brasileiros têm patrocinadores diferentes para equipes femininas e masculinas
Mesmo que o futebol feminino brasileiro esteja em crescimento constante — com mais interesse do público e protagonismo das atletas —, há lacunas no que diz respeito a dados e informações sobre gestão, finanças e patrocínio dos clubes. Por isso, foi lançado nesta quarta-feira (10) o Relatório Futebol Feminino 2025, o primeiro sobre o tema.
A pesquisa mostra, por exemplo, que, neste ano, os únicos clubes a contarem com patrocínios diferentes para equipes feminina e masculina foram Ferroviária e Cruzeiro — os demais recebem um conglomerado ou não diferenciam o direcionamento. O estudo foi realizado pela OutField, consultoria de negócios do cenário esportivo brasileiro, e pela Dibradoras, veículo de mídia na cobertura do futebol feminino no Brasil, com apoio de Guaraná Antarctica.
— Consumimos muito futebol feminino e sempre discutimos sobre. Vimos que tínhamos as ferramentas analíticas e nos organizamos internamente para falar com esse setor. Esse relatório é um ponto de partida, um pontapé para começarmos a ter discussões — disse Laura Guarnier, consultora sênior de estratégias da OutField, em evento de divulgação do estudo.
De acordo com o estudo, enquanto os times masculinos são obrigados desde o início dos anos 2000 a divulgar documentos como demonstrativos financeiros, apenas três dos 20 clubes femininos analisados contam com essa divulgação. São eles Ferroviária, Palmeiras e Santos. Para construir a pesquisa, a empresa não só reuniu dados de mercado, mas também entrevistou dirigentes de clubes.
— Estamos em um ambiente muito carente de dados, não só na divulgação, mas também na coleta. Há diversas realidades, com clubes estruturados de maneiras diferentes, gestões diferentes… Poucos clubes implementam uma visão de unidade de negócio para o futebol feminino — completou Aline Omote, também consultora sênior da OutField.
A lista de clubes femininos analisados inclui os que disputaram a Série A1 do Campeonato Brasileiro 2025 — Corinthians, Palmeiras, Ferroviária, Cruzeiro, Bahia, Red Bull Bragantino, Internacional, Grêmio, Fluminense, Sport Recife, América Mineiro, Juventude, Flamengo, São Paulo, Associação Esportiva 3B e Brasília — além de Santos, Atlético MG, Avaí e Botafogo.
O documento é o primeiro de uma série, já que o plano é fazer atualizações periódicas do estudo a partir deste ano, ocasionando em um acompanhamento contínuo do futebol feminino brasileiro.
Patrocínios
Em 2025, apenas dois clubes receberam patrocínios diferentes para as equipes feminina e masculina, caso de Ferroviária e Cruzeiro. Os outros 18 analisados receberam um conglomerado dos mesmos patrocinadores, o que leva a receita a não se traduzir em repasses ou contrapartidas proporcionais para o futebol femininos.
Em muitos casos, a inclusão da modalidade ocorre como justificativa de valor dentro do contrato global, sem um direcionamento específico de investimento para a equipe. Por outro lado, alguns clubes adotam um modelo mais autônomo, negociando acordos direcionados ao time feminino. Segundo o levantamento, o Palmeiras fechou em 2024 um contrato de patrocínio máster de R$ 22 milhões, o maior do ano.
O relatório não informa qual o percentual de participação dos patrocínios na receita final de cada time, mas direciona quais são os setores do mercado que mais investem. No topo, com dez empresas em cada, estão os patrocínios da indústria farmacêutica e de produtos de bem-estar e higiene, as casas de apostas em loterias e os serviços financeiros. Já os menores números vêm dos setores de combustíveis e mobilidade, com uma empresa cada.
— É preciso descentralizar o recurso, entender como cada patrocinador vai contar sua história, ter mais clubes com patrocínio próprio ou até mesmo com a atenção devida para a experiência — afirma Laura Guarnier.
O apoio do Guaraná Antartica ao futebol feminino surgiu ainda em 2019, com contrato firmado com a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) por oito anos. Desde então, realizaram tanto campanhas digitais, como o lançamento do “#Botaelasnojogo”, para aumentar a presença feminina nos games, e o apoio aos times de base, como o projeto Meninas em Campo.
— Olhamos para o futebol e não quer ter nenhuma distinção de gênero. Se apoiamos o masculino, deveríamos apoiar o feminino. Também acreditamos que essa é uma jornada coletiva e, por isso, queremos estar perto de vários pilares e pessoas que estão fazendo algo pelo futebol feminino. Quanto mais dados tivermos sobre o todo, quanto mais pudermos mostrar onde estamos bem e onde precisamos de mais apoio, mais direcionamentos intencionais e estruturados teremos — disse Daniela Cachich, presidente da unidade de negócios Beyond Co na Ambev.
Estrutura dos times e público
O Relatório Futebol Feminino 2025 mostra que poucos são os departamentos femininos com cargos mais elevados. Há três níveis hierárquicos de liderança nos clubes analisados: coordenadoria, gerência e direção. Times como Santos, Red Bull Bragantino e Cruzeiro, por exemplo, se reportam direto para o presidente do clube, uma vez que não possuem cargos de diretoria.
— Há uma camada de complexidade (nessa estrutura) que gera uma lentidão na tomada de decisão. Na autonomia das decisões, por exemplo, quando é preciso reportar para outros diretores o processo fica ainda mais lento e burocrático. Sem autonomia, os processos ficam engessados. Quanto à equipe, quando analisamos o número de pessoas dos clubes femininos (com exceção das atletas), há funcionários que são divididos entre o masculino e o feminino, tanto profissional quanto de base — menciona Ana Carolina Renaux, consultora sênior da OutField.
De acordo com o estudo, apenas Ferroviária e Corinthians contam com mais de 50 pessoas em suas equipes — com exceção dos atletas. Enquanto isso, cinco times (Palmeiras, Bragantino, Santos, Internacional e Fluminense) têm entre 25 e 50 funcionários no departamento; outros sete clubes têm entre 10 e 25 pessoas; o Avaí é o único a ter menos de dez pessoas em seu departamento.
A pesquisa entende, portanto, que é preciso que os times femininos passem a ser vistos como produtos pelos clubes. Exemplo do Mirassol, que precisa criar uma equipe feminina para seguir em sua primeira classificação para a Libertadores 2026.
Parte dessa visão diz respeito à adesão dos torcedores aos jogos, influenciada pela sede do embate e pelo horário de transmissão. Como levantado pela OutField, 35% dos jogos da primeira parte do Brasileirão A1 ocorreram fora da cidade-sede do time, enquanto outros 24% ocorreram durante a semana e em horário comercial, das 9h às 18h.
— O fator limitante para o torcedor médio não é a capacidade máxima do estádio, mas a localização. O Palmeiras masculino, por exemplo, tem mais torcedores em jogos no Allianz do que na Arena Barueri. É questão de acesso. O jogo acontecer em horário comercial também dificulta o acesso e a relação com o time — disse Ana Carolina.
