Entrevista: 'Vai abrir portas', diz CEO de startup que bateu fundo do governo Lula ao vencer prêmio do príncipe William

 

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A vitória da startup re.green na categoria do prêmio Earthshot — idealizado pelo príncipe William —, que destaca iniciativas que protegem e restauram a natureza, trará credibilidade para a captação de mais recursos pela restauração de florestas tropicais. Essa é a avaliação do CEO da empresa, Thiago Picolo. Em entrevista ao GLOBO, ele se disse esperançoso com os resultados da COP30 na área e tratou sobre a competição pela premiação de £ 1 milhão (cerca de R$ 7,2 milhões), que incluía o recém-lançado Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), principal aposta do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a conferência climática.

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A empresa esperava ganhar do TFFF, o fundo florestal encabeçado pelo Ministério do Meio Ambiente?

Começamos o processo com três mil concorrentes e sabendo que seria difícil estar entre os 15 finalistas. Com o passar das etapas, fomos nos animando. Concorremos na categoria com o TFFF, que é uma iniciativa fantástica, e com outra iniciativa que atua para assegurar direitos de propriedade de terra para comunidades indígenas. A concorrência era dura e ficamos muito honrados com o prêmio.

Como foi o contato com o príncipe William?

Foi uma interação muito boa e que durou quatro dias. Ele é uma figura inspiradora para nós pelo apoio às causas ambientais. Percebemos o quanto ele já conhecia o trabalho que fazemos.

O senhor acredita que a COP30 conseguirá avançar na discussão sobre a preservação florestal?

A conferência começa com esse setor em uma posição de destaque, particularmente com o Brasil em uma posição de liderança. Acho que conseguimos conectar o país com o potencial que temos. Então, a expectativa é que a atividade seja cada vez mais divulgada. Temos reuniões marcadas com companhias brasileiras, americanas e europeias. Acredito que o reflorestamento está no topo da agenda.

Como surgiu a re.green?

A re.green foi iniciada em 2021 a partir do trabalho e das ideias de importantes cientistas brasileiros, que fizeram pesquisas ao longo de décadas em diferentes aspectos da restauração de florestas. Os pesquisadores perceberam que o conhecimento adquirido poderia ser transformado em uma companhia.

E como foi tirar o projeto do papel?

Os cientistas buscaram incentivo de investidores brasileiros, que apoiaram a ideia e ajudaram a formatar um plano de negócios. Quando a re.green conseguiu formar mérito empresarial, começaram a contratar um time de executivos para concretizar o negócio. Na prática, foi a ideia de cientistas, com apoio dos capitalistas e executada pelos executivos.

Qual o propósito da empresa?

Restaurar florestas tropicais em larga escala, usando ciência. Não é fácil tirar do papel uma empresa voltada para o reflorestamento, já que é um setor ainda jovem. Ao mesmo tempo que lidamos com os desafios naturais de uma empresa nova, também lidamos com a dificuldade adicional do setor em si.

Há uma dimensão do impacto do trabalho sendo realizado?

Trabalhamos no reflorestamento de 37 mil hectares em dois biomas brasileiros: Amazônia e Mata Atlântica. A re.green tem 110 funcionários, e nossos projetos, hoje, geram em torno de 260 empregos diretos e indiretos. Atuamos em quatro estados: Bahia, Pará, Maranhão e Mato Grosso.

Como ocorre o reflorestamento nessas áreas?

A primeira ação é a identificação das áreas mais interessantes para serem restauradas, por meio da ciência e de tecnologia. O uso de algoritmos e dados nos mostra onde teremos bons resultados de captura de carbono. Por meio dela, podemos gerar impactos positivos para a biodiversidade e comunidades no entorno. Depois dessa otimização geoespacial, vamos a campo para encontrar as áreas que podem ser compradas ou arrendadas. Por último, começamos a implementar a restauração.

Há um modelo padrão de restauração adotado?

Trabalhamos com 12 modelos de restauração diferentes, que variam dependendo do contexto de cada terra. Varia se a área foi desmatada há muito ou pouco tempo, por exemplo. Mas, o objetivo é sempre o mesmo: que no horizonte de médio prazo, em duas, três ou quatro décadas, haja uma floresta completamente restaurada, com todos os serviços ecossistêmicos restabelecidos, o mais próximo possível de uma floresta primária.

Como ocorre o financiamento?

Temos diferentes formas de captação. O primeiro ocorre por meio de acionistas da empresa desenvolvedora do projeto. É um capital que toma um pouco mais de risco, uma aposta a longo prazo. Outra forma é por meio de sócios da re.green, que são investidores brasileiros com histórico de retorno e comprometidos com o longo prazo. Também podemos buscar capital no nível de projeto, em um modelo que se assemelha ao de dívida e que está indo diretamente para a restauração de uma determinada área. Nesse caso, temos parceiros como o BNDES. Também há empresas que compram crédito de carbono. A re.green se compromete a gerar uma quantidade determinada de créditos ao longo de 15 a 30 anos. Isso é importante para que haja uma visibilidade de longo prazo. A floresta é como se fosse um investimento de infraestrutura. Se investe muito no início e se tem uma vida longa de crescimento e proteção ecossistêmica por muitos anos.

Como a premiação monetária do prêmio Earthshot será utilizado pela empresa?

Esperamos usar uma boa parte do recurso para pesquisa e desenvolvimento. Precisamos de um trabalho contínuo de evolução científica para restaurar a florestas. Além disso, acredito que o prêmio nos ajudará a levantar mais dinheiro, por abrir portas, trazer visibilidade e credibilidade.