Entrevista: 'Talvez o Lira tenha saudade da presidência', diz líder do MDB na Câmara ao pregar 'respeito' a Hugo Motta
O líder do MDB na Casa, Isnaldo Bulhões (AL), faz críticas diretas ao ex-presidente Arthur Lira (PP-AL), aponta "saudade" do poder e cobra respeito à atual condução de Hugo Motta (Republicanos-PB). Em entrevista concedida ao GLOBO, Bulhões comenta o episódio envolvendo a tentativa de cassação de Glauber Braga, avalia o impacto de decisões do STF sobre o ambiente político, fala sobre investigações envolvendo parlamentares e analisa os entraves na articulação do governo Lula com o Congresso, especialmente na agenda fiscal e orçamentária.
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O ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) criticou o atual chefe da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB), após a cassação do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) não se concretizar. Há um racha no grupo que elegeu Motta?
A cassação dele virou um capricho de Arthur Lira. Ele ainda não se deu conta de que é ex-presidente da Câmara e que o presidente Hugo (Motta) fez o correto: pautou. E o colegiado decidiu. Não houve derrota nenhuma (de Motta) e muito menos vitória. O derrotado foi ele (Lira), porque operou para cassar o Glauber por capricho e não por fato.
Lira tem se queixado de que Motta não o escuta e ouve um número restrito de líderes.
Eu defendo o comportamento do presidente Hugo Motta, que está corretíssimo na condução. Só tem um problema: talvez ele (Lira) tenha saudade, esqueceu que o mandato dele acabou. Quem tem boca diz o que quer. A gente precisa ter respeito na condução de cada um. Ele (Lira) sempre teve o nosso, meu e do presidente Hugo.
A decisão do STF determinando a cassação da deputada Carla Zambelli após a Câmara agir no sentido contrário acirra o atrito entre os Poderes?
Do ponto de vista político, compreendo que o presidente Hugo teve que levar o caso ao plenário. Sem agredir o Supremo nem ninguém. Mas foi a questão política que o levou a isso. O Supremo entende que o caminho era que se respeitasse a decisão. A política tem essas coisas. Acho que pode se chegar ao entendimento.
Uma operação da PF mirou uma ex-assessora do gabinete de Lira e há investigações sobre emendas envolvendo parlamentares. Caso essas frentes avancem, vê risco de uma crise institucional?
Se há um caminho para que seja investigado, dentro da Constituição e das leis, tem que ser respeitado. Não considero uma crise institucional.
Mas medidas como trancar a ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem e tentar reverter a cassação de Zambelli são recados ao STF?
A Câmara é política. Há momentos que nós temos que decidir politicamente e depois entrar em acordo e organizar.
A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) quer aprovar projetos que ajudem no resultado fiscal, como a revisão de renúncias fiscais, o aumento da tributação do Juros Sobre Capitais Próprios (JCP) e a taxação de bets. Vai dar tempo antes de votar o Orçamento?
O único projeto com anualidade, que tem despesa vinculada, é o dos incentivos (fiscais). Se encontrar um acordo, o tempo não é o problema. O problema é entrar em acordo.
A Lei de Diretrizes Orçamentárias foi aprovada com um calendário definido de liberação de emendas. Um dia depois, o presidente Lula reclamou do poder que o Congresso tem sobre o Orçamento. Como vê a queixa?
Não vejo queda de braço. É verdade que o Legislativo começou a ter uma representatividade maior na decisão do encaminhamento orçamentário. Acho legítimo, porque quem está na ponta conhece as maiores necessidades. Compreendo também o funcionamento do presidente (da República). Não quero acatar nem rechaçar a opinião de quem quer que seja.
Ano passado, o Orçamento não foi aprovado a tempo, o que provocou um atraso na liberação de emendas. Esse foi o principal fator que dificultou a vida do governo no Congresso em 2025?
Pode ter colaborado, mas, no todo, não foi o problema. A gente costuma só enxergar um lado, e o presidente Hugo está sendo injustiçado por certos julgamentos. Eu, que sou um fiel escudeiro do presidente (Lula), aliado, amigo, governista... A gente tem muita dificuldade na relação com o governo. Não parte só da execução orçamentária. É do diálogo, das questões de encontrar o caminho comum no texto. O Legislativo sempre está muito em destaque como mais problemático, muitas vezes de forma injusta. O governo precisa estar próximo, compreender e organizar a política.
A ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) tem desempenhado bem a articulação política ou ainda existem falhas?
Ela tem se esforçado bastante, mas a Esplanada precisa ouvir mais a SRI (Secretaria de Relações Institucionais). A Casa Civil também precisa ouvir e deveria trabalhar em conjunto. O ministro Rui (Costa) e a secretária-executiva Miriam Belchior se afastam da política desnecessariamente.
A Câmara aprovou o projeto que reduz penas do ex-presidente Jair Bolsonaro poucos dias depois de o senador Flávio Bolsonaro afirmar que poderia retirar a candidatura à Presidência em caso de benefício ao pai. A aprovação foi um gesto para tentar construir a candidatura do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas?
Acredito que não. O presidente Hugo tentou tratar do assunto com lucidez. A minha tese era que o Senado deveria primeiro tomar qualquer iniciativa, se julgasse conveniente, para a Câmara poder se pronunciar depois. Ele achou que a Câmara deveria apreciar e tirar esse assunto da ordem do dia. Imagino que foi isso.
