Entrevista: ‘Os países pobres têm menos peso na crise’, diz criadora do ‘Pix do clima’

 

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Para a economista francesa Esther Duflo, um plano eficiente para combater a crise do clima tem dois elementos essenciais: um preço sobre o carbono emitido (que poderia ser uma taxa) e a transferência de renda para as populações pobres mais vulneráveis. Vencedora do Prêmio Nobel de Economia de 2019 por suas ideias sobre como lidar com a miséria global, a professora do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) participa da COP30, em Belém, para promover uma sugestão apelidada de “Pix do clima”, com o objetivo de fazer os recursos de adaptação chegarem a quem efetivamente precisa. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Duflo detalha como isso pode contribuir com a proposta em discussão de levantar US$ 1,3 trilhão para países ricos financiarem a transição econômica daqueles mais pobres.

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A senhora acredita que o mundo conseguirá seguir o roteiro até atingir a proposta de US$ 1,3 trilhão para financiamento climático? Há chances de a COP30 avançar nessa agenda?

Conheço muito bem o roteiro, mas não sei o suficiente sobre o funcionamento das COPs para dizer se a COP30 realmente fornecerá respostas, como um compromisso assinado e implementado. Acho que ainda é cedo para dizer. Nas discussões iniciais, o que se viu já é conhecido, com os países ricos afirmando que “precisamos reduzir as emissões”, e os países pobres questionando “onde está o nosso dinheiro?”. Vamos ver como isso se desenrola. Espero que algo possa ser feito.

Um documento apresentado pela presidência da COP30 reuniu propostas de impostos para financiar ações climáticas, incluindo taxas sobre itens de luxo, grandes fortunas e produtos com alta pegada de carbono. É uma forma viável de alcançar o US$ 1,3 trilhão?

Espero que sim. Eu acho que há muita demanda por esses impostos entre os cidadãos dos países ricos, justamente porque eles percebem que o sistema tributário não é justo. Eles veem que aqueles muito ricos e as grandes corporações não estão pagando sua cota. Na França, tivemos uma grande discussão sobre isso recentemente. No final, a proposta, que era exatamente aquela apresentada pelo Brasil no G20, foi derrotada. Mas, durante o processo, ficou claro que ela era muito popular. Portanto, acredito que há demanda para isso e que, em algum momento, chegaremos lá. Pode ser que não seja nesta COP. Mas a corrida agora não é um sprint, é uma maratona, e acho que os primeiros passos já foram dados.

A senhora veio a Belém para apresentar o “Just Economics”, seu projeto apelidado de “Pix do clima”, como uma solução para o financiamento climático. Como o descreveria?

A ideia fundamental é que, se eu tivesse uma varinha mágica, poderia começar do zero e criar um acordo climático diferente, que basicamente consiste em apresentar isso como uma barganha. O país rico concorda em compensar os pobres pelos impactos das mudanças climáticas, transferindo a receita diretamente para as pessoas e comunidades pobres, e o país pobre, em troca, concorda em tomar medidas climáticas obrigatórias, como começar a precificar o carbono. Essa é basicamente a essência da ideia. Os “Pix do clima” seriam essas transferências diretas que as pessoas receberiam.

A senhora trabalhou diretamente com agricultores no Quênia para entender suas necessidades. Já teve a oportunidade de conversar com populações tradicionais da Amazônia durante esta viagem?

Ainda não. Vou fazer isso amanhã (hoje). Uma das coisas muito reveladoras que tenho feito é conversar com as pessoas em campo sobre como elas vivenciam o calor e as mudanças climáticas. Aqui na Amazônia, definitivamente, preciso dedicar algum tempo a esse projeto e garantir um tempo de conversa com gente de verdade.

Quanto do impacto climático sobre as populações mais vulneráveis ocorre por meio da insegurança alimentar?

Certamente é uma porcentagem muito importante. Parte do impacto ocorre por meio da insegurança alimentar, parte por meio do trabalho físico sob calor e parte, afetando principalmente as pessoas mais frágeis, como idosos ou bebês. Na saúde, às vezes ele ocorre por meio de lesões nos rins, que fragilizam as pessoas. É difícil separar, mas todos esses fatores desempenham algum papel. Além disso, o impacto na agricultura também é extraordinariamente diferente em diferentes lugares. Nos EUA, o impacto na agricultura será até positivo. Na maioria das regiões pobres do mundo, o impacto na produção de alimentos será negativo.

Os países em desenvolvimento apegam-se ao conceito de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas” (CBDR, na sigla em inglês) para desacelerar suas ações climáticas, sob a justificativa de que as nações mais ricas são historicamente as principais culpadas pela crise atual e teriam de assumir maior responsabilidade. O Brasil não está abusando do conceito de CBDR para justificar a perfuração de petróleo na Amazônia?

É por essa razão que parte do acordo que proponho é pedir aos países de baixa e média renda que ponham um preço sobre o carbono. Pode ser uma taxa ou outro mecanismo de precificação. Poderia ser um preço menor do que o cobrado dos países ricos, para ser consistente com o CBDR. Começaria com US$ 10/tonelada para os países mais pobres, US$ 30/tonelada para os países de baixa e média renda e US$ 50/tonelada para um país como o Brasil. Ao terem que pagar US$ 50/tonelada, as pessoas começarão a levar em conta o custo social da perfuração de petróleo. Depois disso, alguns projetos de perfuração de petróleo ainda podem acontecer, mas os incentivos estarão no nível adequado. O CBDR não significa que os países em desenvolvimento não têm nenhuma responsabilidade. Ele significa que eles têm menos responsabilidade. Então, atribuir um preço menor ao carbono faz sentido, porque é muito mais difícil para os países pobres lidarem com os impostos. Por isso, eu acredito que um preço mais baixo para o carbono seja positivo. Um preço “zero” para o carbono não é suficiente e leva a projetos muito ineficientes, como a construção de novas usinas de carvão na Índia, o que não faz nenhum sentido.

A senhora criticou os mercados voluntários de carbono em sua palestra de hoje (ontem) porque eles apenas deslocam os esforços de mitigação de um lugar para outro, em vez de aumentá-los. Eles podem prejudicar a ação climática?

Acho que os mercados voluntários de carbono são terríveis. Na melhor das hipóteses, eles são “greenwashing”. Na pior hipótese, você investe em uma solução que não protege realmente uma floresta, por exemplo, e pode continuar realizando todas as suas atividades poluentes, em contrapartida. É por isso que precisamos de algo mais simples: precificar o carbono ou mercados de carbono que não sejam voluntários.

Os projetos jurisdicionais que o Brasil usa para gerar créditos de carbono são bons, então, segundo esse critério?

Sim. A forma como estamos pensando na proposta é que um país inteiro tenha um mecanismo de precificação de carbono, que pode ser um imposto sobre o carbono ou um mercado de carbono controlado.

A senhora mencionou aqui como é difícil comunicar ciência e traduzir o conhecimento científico em política pública. Os cientistas são melhores nisso do que eram há dez anos, quando ajudaram o Acordo de Paris a ser alcançado?

Não sei dizer bem, porque não estava em Paris há dez anos. Na verdade, acho que somos muito bons em comunicar o que fazemos, mas alguém precisa querer nos ouvir para essa comunicação acontecer.

(*O repórter viajou a convite da Motiva)