Entrevista: 'Não é que demore, é que temos de atuar juntos', diz promotor que investiga esquema da Refit, iniciado em 2007
À frente das investigações contra a Refit, acusada de perpetuar desde 2007 um esquema bilionário de sonegação fiscal, o promotor Alexandre Affonso Castilho, do Ministério Público de São Paulo, argumenta que os quase 20 anos transcorridos com a prática ilícita em vigor reforça a “necessidade de as instituições trabalharem juntas”. Integrante do Comitê Interinstitucional de Recuperação de Ativos (Cira), formado por representantes de diversas instituições públicas, como o MP, a Procuradoria-Geral do Estado e a Secretaria da Fazenda, Castilho também descarta eventuais ligações entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) — alvo de operação semelhante em agosto — e os crimes apurados na quinta-feira.
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Como a megaoperação contra a Refit impacta a vida do cidadão comum?
Significa uma certa justiça tributária. Esse grupo compete com outras empresas que pagam todos os impostos. Sem pagar impostos, consegue ganhar mercado, ganhar competitividade e enriquecer — e pode até quebrar concorrentes. O Estado deixa de receber os valores que vão custear os serviços públicos. O consumidor lá na ponta, quando abastece o seu veículo, está pagando imposto. Esse imposto não é revertido para o Estado. O cidadão comum paga e não recebe.
A Refit deu um prejuízo de R$ 26 bilhões em sonegação. O valor voltará aos cofres públicos?
A apuração começou no Cira porque se trata do maior devedor de ICMS do Estado de São Paulo. A partir do momento em que a gente avançou no mapeamento de todo o grupo empresarial, trouxemos a Receita Federal para trabalhar junto. Fomos atrás também da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. Com autorização judicial, trocamos informações, porque cada um sabe um pedaço. E assim deflagramos a operação. O que a gente vai fazer agora? Cada órgão, em seu estado, vai tentar recuperar o prejuízo. A gente vai, com autorização judicial, compartilhar esses elementos para que cada instituição busque a sua reparação.
Tem um prazo?
Não. Você imagina a quantidade de informações que a gente arrecadou ontem (anteontem)? Até a gente organizar, acessar, separar, porque a gente precisa encaminhar o que é pertinente para cada estado…
A apuração mostra que o grupo não pagava tributos desde 2007. Por que tanto tempo para agir?
Não é que demora tanto. É que são esferas de responsabilidade diferentes. Por isso, a gente tem batido tanto na tecla da necessidade de as instituições trabalharem juntas. Se não for assim, um não sabe o que o outro está fazendo. Nós não sabíamos dessa situação. Então cada um fica ali no seu pedaço. Quando a gente une forças, como agora, o conhecimento fica muito mais amplo.
Além da sonegação, esse grupo cometia outros crimes?
Sim, vários. Mas nosso recorte foi o da sonegação, porque o Cira tem o objetivo de investigar grandes fraudes fiscais. Nós não vamos investigar, por exemplo, adulteração de combustível. Uma coisa é o cidadão que não paga o imposto: é uma sonegação simples. Outra coisa é um grupo empresarial que articula todo o modelo estruturado de emprego. Isso é uma fraude fiscal muito mais ampla. E aí a gente investiga organização criminosa, associação criminosa, a própria sonegação em si e a lavagem de dinheiro. Porque todo esse ganho precisa, de alguma forma, ser inserido no mercado. E aí tem que recuperar o dinheiro.
Que mecanismos eles usavam para esconder essa sonegação?
Era muito parecido com o esquema da Carbono Oculto (a operação de agosto que mirou o PCC). Na Poço de Lobato, a gente verificou os mesmos mecanismos que o crime organizado tem à disposição: fintechs, fundos de investimento e outros. A dívida do grupo empresarial era conhecida por todos, inclusive pelo sistema financeiro, pelas instituições. Como é que no nosso país uma instituição financeira movimenta bilhões de reais em favor de empresas que constam em rol de devedores? É um problema de transparência do sistema, é um problema de compliance do sistema financeiro. É proibido isso? Não. Mas deveria ter regras mais rígidas. E a gente espera que, com esse trabalho, a gente consiga aprovar essa lei do devedor contumaz. Não pode uma empresa dever 10, 20 anos e continuar atuando como se nada tivesse acontecido.
De que maneira o sistema financeiro pode ser mais transparente para evitar uma sonegação bilionária feito essa?
Como um banco pode ser autorizado a fazer uma movimentação, ou a enviar dinheiro para o exterior, por exemplo, de uma empresa que deve R$ 100 milhões de impostos? A gente precisa conversar, ver as regras e estabelecer limites. Algo tem que ser feito.
O PL do Devedor Contumaz, em análise pela Câmara, ajudaria nessa transparência?
Ele não trata dessa questão, mas da do devedor contumaz. Tem dispositivos no projeto que precisam ser melhorados? Sim. Mas, de qualquer forma, já seria um grande avanço.
A sonegação nesses moldes ocorre em outros setores?
Há fraude fiscal estruturada em todos os setores. Combustível é só a bola da vez. E aí interessa muito mais porque na outra operação tinha uma facção criminosa, o que não existe aqui na Poço de Lobato.
Ouvi de uma fonte que líderes de organizações alvo da Carbono Oculto, a Aster e a Copape, passaram a importar, em julho de 2024, petróleo por meio do grupo Refit. É isso mesmo?
Realmente realizaram. Como a Secretaria da Fazenda aqui de São Paulo conseguiu algumas medidas contra eles, passaram a ter dificuldade de conseguir matéria-prima de combustível. E, na hora do aperto, o empresário compra de quem tem à disposição. Então é isso: eles tinham uma necessidade, compraram de quem tinha para oferecer. E quem é empresário vende produtos.
Então a única conexão entre eles é que o Grupo Refit vendeu para a Aster e Copape?
Só. Eles são concorrentes, inimigos. Mas é que cada um fala o que quer, né? O PCC hoje virou uma marca para qualquer investigação. Só que a gente tem que provar. E é isso que eu quero ver: todo mundo que afirma que tem precisa provar.
Quais são os próximos passos?
Agora a gente vai entender tudo que a gente conseguiu bloquear. A gente vai tratar todas as provas que conseguiu arrecadar. E, a partir daí, aprofundar a investigação.
Pode haver prisão no futuro? Evoluir para uma ação de persecução penal?
A gente trabalha para isso. Para, futuramente, processar criminalmente todos os envolvidos. E recuperar ativos.
