Entrevista: 'COP30 não foi a mais importante da história por ter omitido os combustíveis fósseis', avalia Carlos Nobre

 

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Uma das principais vozes da ciência brasileira, o pesquisador Carlos Nobre esteve em Belém e participou de reuniões em que pode destacar a importância da descontinuidade do uso de combustíveis fósseis. O texto final, no entanto, sequer menciona esse escopo — o que impede que o encontro na capital paraense seja encerrado com a sensação de que o foi o mais importante até aqui, como era desejado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nobre entende que a COP30 "não avançou de forma muito importante" e prevê que a iniciativa da presidência brasileira de buscar um "mapa do caminho" paralelo para combate ao desmatamento e ao uso de fósseis encontrará resistência até a COP31. O pesquisador, no entanto, se diz otimista de que a ciência chagará mais forte a conferência do ano que vem.

Leia a entrevista completa:

O texto principal da COP30 sequer menciona os combustíveis fósseis, sendo que o principal objetivo da presidência brasileira era trazer um “mapa do caminho” para descontinuar o uso de petróleo, carvão e gás. Por que esse plano não teve sucesso?

Desde a abertura da COP30, com o discurso do presidente Lula, já se falava claramente da urgência de caminharmos para remover o uso de combustíveis fósseis. Isso foi discutido no período todo em Belém, mas não esteve presente nos relatórios. Eu estava com o presidente, em reunião na quarta-feira, quando ele disse que queria que essa fosse a COP mais importante até aqui. É lógico que, para que isso ocorresse, essa conferência precisaria tratar sobre os combustíveis fósseis. O que se viu nos últimos dias, no entanto, é que países produtores de fósseis, como China, Rússia, Arábia Saudita e Emirados Árabes, não concordaram com a inclusão do mapa do caminho e de metas muito ambiciosas. Foi um cenário no qual a maioria das nações, favoráveis a inclusão, não conseguiram fazer com que a proposta da presidência brasileira entrasse no documento final.

Como o senhor enxerga o "mapa do caminho” paralelo prometido pelo presidente da COP30, André Corrêa do Lago, na plenária de encerramento?

Corrêa do Lago colocou esse ponto em discussão, já que não quis jogar tudo o que foi feito fora; Ele irá interagir com o presidente da COP31 e levar essa proposta. É importante que se insista muito para que esse assunto avance muito durante o próximo ano em todas as negociações, inclusive na reunião preparatória da COP31. Mas, obviamente, ele vai continuar enfrentando a resistência de países produtores de combustíveis fósseis, que nunca permitiram esse avanço em nenhuma das conferências.

O senhor avalia que a preservação ambiental avançou ou não com a COP30?

Essa COP não avançou de forma muito importante. Não colocou metas muito aceleradas de redução de fósseis. Um ponto positivo foi a presidência brasileira enfatizar a meta de todos os países zerarem a meta de desmatamento até 2030. Isso foi colocado como um tópico de muita importância, assim como o financiamento para restauração e regeneração de florestas. Nenhum país se posicionou contrário a atender esses requisitos até 2030. Era um aspecto que já havia sido discutido, mas foi enfatizado. O desafio é enorme, porque faltam apenas cinco anos. É preciso financiamento para acelerar a regeneração dos biomas, especialmente das florestas tropicais. Vejo esse tópico como um progresso dessa COP.

Dez anos depois, o Acordo de Paris sai fortalecido ou enfraquecido da COP30?

Até mesmo a ciência não esperava que chegaríamos à marca limite de 1,5°C grau acima da média do período pré-industrial, estabelecido no Acordo de Paris como máximo tolerável, tão rápido. Na COP29, a temperatura já estava nesse altíssimo nível, mas se falava como se estivéssemos muito longe desse limite. Na COP30, já se sabia que precisaria ser a mais importante para a recuperação. Sem a meta de zerar os combustíveis fósseis no texto final, não se fortalece o Acordo de Paris e não encerramos a negociação de Belém com essa sendo a principal COP da história. Ela foi importante, mas esperávamos que fosse bem mais.

A ciência foi ouvida na COP30?

Criamos o pavilhão da ciência planetária a pedido do embaixador Corrêa do Lago. Fizemos inúmeras sessões ao longo de nove dias com cientistas e entregamos documentos para todos os negociadores da urgência da emergência climática. Eles foram entregues à presidência da COP e sentimos que a equipe prestou bastante atenção. A CEO da COP30, Ana Toni, por exemplo, nos sugeriu criar um painel científico para a transição energética e zerar o uso de combustíveis fósseis, iniciativa que já iniciamos. Até a COP31, vamos realizar um relatório para mostrar o caminho factível para acelerar muito a transição energética para fontes renováveis. Estamos otimistas que vamos conseguir levar mais a ciência para a COP31 por conta desses projetos.