Entrevista: ‘Argumento pela ação climática é econômico, não político’, diz empresário e ex-prefeito de NY Michael Bloomberg
O empresário Michael Bloomberg, de 83 anos, construiu sua fortuna — ele ocupa a 14ª posição no ranking de bilionários da Forbes — com serviços de dados financeiros e mídia, reunidos na empresa que leva seu nome. Também teve forte atuação na vida política americana, tendo sido três vezes prefeito de Nova York. Parte dos bilhões de dólares e do capital político acumulados ao longo dos anos são agora dedicados à filantropia, por meio da Bloomberg Philanthropies, que apoia de projetos climáticos a de educação e arte. No Rio para participar do Fórum de Líderes Locais, ele anunciará nesta quarta-feira a doação de US$ 168 milhões para projetos subnacionais e parcerias multinível pró-clima, incluindo apoio a 50 cidades brasileiras.
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A Bloomberg Philanthropies anuncia nesta quarta mais uma rodada de apoio financeiro a ações climáticas. Que papel as cidades desempenham nesta agenda?
Por muito tempo, as mudanças climáticas foram vistas como um problema que os governos nacionais deveriam resolver sozinhos. Mas os prefeitos sempre enxergaram o desafio de outra forma: não de cima para baixo, e sim de baixo para cima. E não só como problema, mas como uma chance de tornar a vida das pessoas melhor, com ar mais limpo, transporte público mais eficiente e comunidades mais verdes. É por isso que a Bloomberg Philanthropies trabalha com as cidades, ajudando-as a transformar suas melhores ideias em realidade. E a compartilhá-las pelo mundo.
Um dos focos desse aporte são projetos a serem desenvolvidos em 50 cidades brasileiras. Quais áreas serão contempladas e como eles serão selecionados?
O novo programa é uma parceria entre o C40 e o Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e Energia, que ajudará 50 cidades brasileiras a reduzir emissões e fortalecer sua resiliência climática. O foco será em transporte mais limpo, como ônibus elétricos, redução de metano proveniente da gestão de resíduos, melhoria do acesso ao financiamento climático e inclusão de metas climáticas nos orçamentos municipais. As cidades são escolhidas com base na contribuição de nossos parceiros, e cada uma receberá apoio técnico para desenvolver e implementar seus projetos, sem limite máximo de financiamento.
Também haverá uma iniciativa voltada aos estados do Nordeste. Como será?
O objetivo é aproveitar o potencial renovável da região para construir uma base industrial verde, desde hidrogênio e componentes de baterias, até agricultura de baixo carbono e logística sustentável. A parceria também apoiará a modernização da rede elétrica, a eletrificação de portos e programas de capacitação profissional, que permitirão que trabalhadores locais ocupem as vagas bem remuneradas criadas por esses setores.
O senhor foi três vezes prefeito de Nova York. Com base nessa experiência, quais os principais desafios dos prefeitos para reduzir a pegada de carbono?
Os prefeitos não controlam tudo, mas são responsáveis por tudo, essa é a realidade de administrar uma cidade. E, quando se trata de reduzir emissões, as maiores fontes de carbono nas cidades costumam estar justamente nas áreas mais difíceis de transformar. Mas os prefeitos entendem que reduzir emissões anda de mãos dadas com o crescimento econômico, não apenas porque a energia limpa gera empregos, mas também porque o ar limpo atrai investimento privado. As pessoas querem viver em locais onde possam respirar livremente. E as empresas querem investir onde as pessoas querem viver.
O senhor foi um dos fundadores da campanha Beyond Coal (“além do carvão”), que tem o objetivo de fechar todas as usinas de carvão nos EUA. Mas o presidente Donald Trump defende a retomada dessa indústria. É possível atingir a meta nesse cenário político?
Sim. O progresso que alcançamos sempre foi impulsionado por ações estaduais e locais. Embora as políticas federais possam influenciar o ritmo do progresso, elas nunca foram o principal motor das campanhas Beyond Coal ou Beyond Carbon (“além do carbono”). Essas iniciativas têm avançado independentemente de qual partido está no poder em Washington, e isso vai seguir.
Qual é o impacto nos esforços globais para reduzir emissões de CO₂ de se ter um negacionista à frente do país que é o segundo maior emissor do mundo?
A ação climática nos EUA sempre foi mais guiada por políticas locais e estaduais, e pela liderança do setor privado, do que pelo que acontece em Washington. Quando o país se retirou do Acordo de Paris pela primeira vez, em 2016, houve preocupação de que outros países desistissem de seus compromissos. Mas isso não aconteceu. E os EUA continuaram reduzindo emissões, mesmo sem apoio federal.
Como enviado especial da ONU para Ambição e Soluções Climáticas, como pretende mobilizar o setor privado para aumentar os investimentos em energia limpa e manter o compromisso dos EUA com a redução de emissões?
O melhor argumento para que as empresas priorizem energia limpa e redução de emissões é que isso beneficia seus próprios resultados financeiros. A energia limpa geralmente é mais barata que os combustíveis fósseis. Tornar-se mais eficiente energeticamente ajuda as empresas a economizar dinheiro. A Bloomberg está a caminho de obter 100% de sua energia de fontes limpas, e cada vez mais companhias seguem o mesmo caminho. Os executivos não podem fingir que os mares não estão subindo ou que as tempestades não estão piorando, especialmente se possuem ativos na costa ou cadeias de suprimentos vulneráveis. Quando a conversa se baseia na economia e não na política, o argumento pela ação climática se torna claro.
O que esperar da COP30?
Por muito tempo, as discussões em nível global e nacional priorizaram estabelecer metas em vez de alcançá-las. A presidência da COP30 está enfrentando essa desconexão, posicionando Belém como a COP da implementação. E, depois de anos sendo coadjuvantes, as cidades estão no centro das atenções. O mundo já chegou a um consenso sobre o que precisa ser feito para enfrentar a crise climática, e nas cidades já temos soluções que funcionam. Agora é hora de ampliar essas boas ideias e fazer acontecer.
