Entidades veem 'tensão' em torno das negociações pela inclusão da pauta de gênero e racial no documento final da COP30
No dia previsto para o encerramento da COP30, as negociações envolvendo pautas de gênero e racial são motivo de "tensão" em Belém. É o que avalia Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil e enviada especial da conferência para periferias e racismo ambiental. Enquanto o primeiro tema se encontra na agenda formal da conferência, o segundo é pautado a partir da mobilização da sociedade civil.
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— Há um esforço da presidência da COP e de negociadores para que haja avanço da pauta de gênero. Acontece que há países frontalmente contrários e que não aceitam esse tema na discussão. Essa COP precisa fazer um plano de plano de ação de gênero para garantir a equidade no sistema do clima — diz Werneck.
As negociações sobre o enfrentamento do racismo ambiental encontra entraves similares, aponta Werneck:
— Ouvimos que a União Europeia aceitou as iniciativas propostas pela sociedade civil, mas nem todos os países da Europa estão neste bloco. Um dos que não está não aceita nem falar em direitos de afrodescendente. Também há resistência no Oriente Médio e até na América Latina. Esperamos que esses entraves sejam superados, porque senão tudo isso vai ser um grave retrocesso, porque o afrodescendente e por relações racializadas são os mais afetados pela emergência climática.
Coordenador de Políticas e Programas na ActionAid Brasil, Junior Aleixo entende que a "inclusão de afrodescendentes nos textos das negociações da COP30 não tem sido acompanhada de garantias efetivas que assegurem não só a participação real do grupo nos benefícios concretos das ações, mas também que outras agendas avancem juntamente com a inclusão dos termos".
— A gente celebra a inclusão, ou a suposta inclusão de povos e comunidades tradicionais e afrodescendentes no geral, mas essa inclusão não pode ser só discursiva. Porque ao mesmo tempo que é uma inclusão no discurso, é uma exclusão material do processo, digamos assim. Então a gente precisa questionar se essa inclusão é apenas retórica ou se ela cria mecanismos que são vinculados a outras agendas que impactam diretamente povos e comunidades tradicionais e afrodescendentes no geral.
Aleixo elenca pontos que devem estar no documento final da conferência para que haja efeitos concretos na vida da população negra:
— Se conseguirmos que o texto fale em saída de combustíveis fósseis, incluindo o termo afrodescendentes, aí sim poderemos dizer que estaremos avançando em várias frentes. Se a gente não sai da dependência dos combustíveis fósseis, os impactos serão os mesmos, ou ainda piores, para as populações que continuam sofrendo de desigual os impactos das mudanças climáticas.
Impasse em pautas identitárias
As negociações da COP30 também encontraram como ponto de tensão nos últimos dias ao tema reconhecimento de pessoas trans e não-binária. Nas reuniões da conferência climática, países governados por conservadores, como a Argentina, o Paraguai, o Irã, a Indonésia, a Malásia e a Santa Sé, tem defendido que gênero seja definido pelo "sexo biológico" .
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A Santa Sé é uma das partes que declarou entender gênero como algo "baseado na identidade sexual, que é masculina ou feminina". Segundo o The Guardian, Argentina e Paraguai estão entre os países que pediram que fossem acrescentadas notas de rodapé em um texto para que fosse esclarecido o sentido do termo.
— Existem alguns países que querem nos fazer voltar a 30 anos atrás. Mas não aceitaremos nada menos do que já temos — disse ao The Guardian Lorena Aguilar, ex-vice ministra de Relações Exteriores da Costa Rica e diretora executiva do Instituto Kaschak de Justiça Social para Mulheres e Meninas.
A agência AFP descreve que os debates sobre o tema geraram "frustração dentro das salas" da conferência climática, segundo uma fonte anônima, que se queixou da quantidade de notas de rodapé adicionadas ao texto negociado. Esses trechos tratam das ressalvas feitas por algumas das partes em relação ao uso do termo "gênero".
— Não concordamos em nada com o que alguns países estão colocando nas notas de rodapé da agenda. Sentimos que estamos andando para trás — disse Alicia Bárcena, secretária do Meio Ambiente do México, país governado pela progressista Claudia Sheinbaum.
A Santa Sé é uma das partes que declarou entender gênero como algo "baseado na identidade sexual, que é masculina ou feminina". Segundo o The Guardian, Argentina e Paraguai estão entre os países que pediram que fossem acrescentadas notas de rodapé em um texto para que fosse esclarecido o sentido do termo.
Segundo a AFP, a discussão cresceu a ponto de a presidência da COP30 retirar o debate do nível técnico e levá-lo para o nível político. A agência destaca que uma fonte disse não existir necessidade de se debater o significado da palavra "gênero" na conferência. O motivo é que os países podem interpretar o texto conforme as suas realidades locais.
— Permitir que os países atribuam as suas próprias interpretações à linguagem acordada não protege a soberania nacional. Isso prejudica o próprio multilateralismo — disse Bridget Burns, diretora executiva da Organização das Mulheres para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento — Se cada parte pudesse colocar notas de rodapé em termos fundamentais como finanças, ambição ou equidade, não nos restaria qualquer negociação, apenas fragmentação.
O The Guardian destaca que outros países, como Noruega e Canadá, vão no sentido contrário e têm defendido o uso de linguagem sobre "interseccionalidade" e diversidade de gênero.
