Entenda ponto a ponto o que está presente no rascunho do texto final da COP30
A presidência brasileira da COP apresentou, na madrugada desta sexta-feira, um texto preliminar sobre o que seria a declaração final da conferência, que omite qualquer referência ao abandono dos combustíveis fósseis, em meio à forte resistência de países produtores de petróleo. Entenda ponto a ponto o que está presente no documento:
Combustíveis fósseis
O rascunho, de sete páginas, ao qual a Bloomberg teve acesso, pede que os países agilizem a adoção de medidas pró-clima e cita um “Acelerador Global de Implementação” voluntário, sem detalhar o que seria isso. Mas o texto não menciona um roteiro para redução do uso de petróleo, gás natural e carvão, o chamado roadmap ou mapa do caminho em português.
Mais de 30 países afirmaram que não irão apoiar um texto final da COP30 que não inclua um mapa do caminho para abandonar os combustíveis fósseis. Países como Alemanha, Bélgica, Colômbia, França e Reino Unido enviaram uma carta conjunta à presidência da conferência pedindo que o tema permaneça no rascunho político. Para o grupo, a proposta não cumpre "as condições mínimas para um resultado crível" da conferência do clima.
Cientistas climáticos presentes na COP30 divulgaram um novo comunicado nesta sexta-feira criticando duramente a nova versão do texto rascunhado para se tornar a carta final da conferência. Na visão deles, é impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento. “Nessas últimas horas, os negociadores devem trabalhar juntos para recolocar no texto os roteiros para um futuro mais seguro e próspero. A ciência está aqui para ajudar.”
“Apesar de um grande número de países se unir em torno de roteiros para acabar com a dependência de combustíveis fósseis e com o desmatamento — e do impulso dado pelo presidente do Brasil —, as palavras ‘combustíveis fósseis’ estão completamente ausentes do texto mais recente. Isso é uma traição à ciência e às pessoas, especialmente os mais vulneráveis, além de totalmente incoerente com os objetivos reafirmados de limitar o aquecimento a 1,5 °C e com o quase esgotamento do orçamento de carbono”, diz a carta.
Adaptação climática
O rascunho do documento final pede esforços para triplicar o financiamento para adaptação até 2030, em relação aos níveis de 2025. Na COP26, realizada em Glasgow, houve um acordo para direcionar US$ 40 bilhões anuais para essa agenda. Mas esse acordo termina neste ano. A ideia seria elevar, portanto, a US$ 120 bilhões.
Os países em desenvolvimento, especialmente os africanos, pedem mais recursos para implementar medidas de adaptação. São ações como aumentar resiliência de infraestrutura a eventos extremos, garantir segurança alimentar, entre outros. Essa demanda foi outra trava nos debates na COP30.
Para especialistas, a agenda oficial de adaptação chega aos momentos finais da COP30 desidratada. O texto de negociação proposto pela Presidência da COP30 fez uma redução de 41% dos indicadores da chamada Meta Global de Adaptação (mais conhecida pela sigla em inglês GGA). Eles passaram de 100 para 59, muitos dos quais dúbios ou impossíveis de serem aferidos.
Mas se nem isso for aprovado pelos países, será o fracasso de uma agenda transformada pelo próprio clima de urgência em sobrevivência, alertam cientistas e observadores. Mesma fraca, uma meta daria peso político global à necessidade de adaptação. Pouco é melhor do que nada.
De acordo com pessoas ouvidas pela Bloomberg, no entanto, o tema gera divisão até mesmo entre a delegação brasileira. Enquanto alguns esperam aprovar um roteiro para que o mundo deixe de usar combustíveis fósseis, outros argumentam que os esforços devem se concentrar em melhorar o financiamento para a adaptação climática.
Transição justa
O texto sobre transição justa, divulgado nessa sexta pela presidência da COP 30, coloca de forma concreta a criação de um mecanismo específico para " viabilizar transições justas equitativas e inclusivas". Esse tema é considerado um dos mais importantes da agenda climática, por garantir que a mudança de uma economia de alta emissão de carbono para baixa emissão não acentue desigualdades sociais e econômicas, protegendo, assim, países mais pobres, indústrias e trabalhadores desse setor. Especialistas elogiam a criação do mecanismo, apesar de pouco robusto.
O rascunho desse tema afirma que a transição econômica deve acontecer de forma justa, igualitária, inclusiva e participativa, envolvendo todas as partes da sociedade. O texto cita, nominalmente, trabalhadores, pessoas em situações de vulnerabilidade, povos Indígenas, comunidades locais, imigrantes, descendentes africanos, mulheres, crianças, jovens, idosos e pessoas com deficiência.
Ao final, decide, conforme diz o texto, "desenvolver um mecanismo de transição justa, cujo propósito será reforçar a cooperação internacional, a assistência técnica, o reforço de capacidades e a troca de conhecimento, além de viabilizar transições justas equitativas e inclusivas". Isso inclui um programa de trabalho específico, diz o texto. Para isso, foi solicitado que os órgãos subsidiários recomendem um projeto de decisão sobre o processo de sua operacionalização.
Gênero e raça
As negociações envolvendo pautas de gênero e racial são motivo de "tensão" em Belém. É o que avalia Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil e enviada especial da conferência para periferias e racismo ambiental. Enquanto o primeiro tema se encontra na agenda formal da conferência, o segundo é pautado a partir da mobilização da sociedade civil.
— Há um esforço da presidência da COP e de negociadores para que haja avanço da pauta de gênero. Acontece que há países frontalmente contrários e que não aceitam esse tema na discussão. Essa COP precisa fazer um plano de plano de ação de gênero para garantir a equidade no sistema do clima — diz Werneck.
As negociações sobre o enfrentamento do racismo ambiental encontra entraves similares, aponta Werneck:
— Ouvimos que a União Europeia aceitou as iniciativas propostas pela sociedade civil, mas nem todos os países da Europa estão neste bloco. Um dos que não está não aceita nem falar em direitos de afrodescendente. Também há resistência no Oriente Médio e até na América Latina. Esperamos que esses entraves sejam superados, porque senão tudo isso vai ser um grave retrocesso, porque o afrodescendente e por relações racializadas são os mais afetados pela emergência climática.
Financiamento climático
O presidente da COP30, André Corrêa do Lago, afirmou nesta sexta que há grande dificuldade de avançar no financiamento climático.
Rebecca Newsom, especialista em políticas financeiras do Greenpeace Internacional, aponta que o financiamento climático foi prejudicado no rascunho do texto final. As propostas para triplicar o financiamento para adaptação e estabelecer um programa de trabalho sobre financiamento climático, de acordo com ela, não são "suficientemente robustas".
