'E agora seu povo pede o mundo de novo': rubro-negros revivem sonho mundial e buscam nova catarse 44 anos depois
A madrugada de 13 de dezembro de 1981 não é apenas a data da vitória por 3 a 0 sobre o Liverpool e do título do Mundial Interclubes do Flamengo. É o dia da catarse sem precedentes na história do clube, em que milhares ocuparam as ruas do Rio, da Lapa à Zona Sul, até o alvorecer, ainda sem compreender a dimensão daquele feito. Desde então, o flamenguista que presenciou, ou não, Zico & Cia colocarem os ingleses na roda sonha reviver a maior glória rubro-negra. E terá mais uma chance hoje, diante do PSG, em Doha.
A conquista do Mundial, que alçou a geração do Galinho e de jogadores como Júnior, Leandro, Adílio, Andrade e Nunes à maior de todos os tempos do clube, moldou a torcida nas últimas quatro décadas. O triunfo rubro-negro mudou o patamar da competição, até então vista apenas como um torneio internacional, aos olhos do Brasil — ainda que o Santos de Pelé a tenha vencido por duas vezes nos anos 1960. Agora todos desejavam o mundo, e o rubro-negro a queria de novo.
Time de 1981 na final do Mundial contra o Liverpool entrou para a história
Sebastião Marinho
Por muitos anos, “rumo a Tóquio” foi um misto de desejo, cobrança e ironia nas arquibancadas do Maracanã a cada chance de vaga na Libertadores. Foi lá na capital japonesa que o Flamengo ficou marcado na História — e outros brasileiros depois disso, até a Fifa abraçar o Mundial Interclubes e levá-lo para o Oriente. O rubro-negro vinha tentando reencontrar aquela aura vencedora. Em mais de três décadas, passou bem longe de atravessar oceanos para chegar ao topo do mundo. De 1982 a 2018, o time esteve em apenas 13 edições do torneio, e o mais longe que chegou foi às semifinais, em 1982 e 1984. Porém, a cada temporada, mesmo nas piores, o sonho se manteve de alguma forma vivo.
— Após o adeus de Zico no baile de despedida no Maracanã, em 1990, a torcida do Flamengo adotou mantras dos mais variados. O mais dramático talvez fosse o “faltam 45 pontos” a cada início de Brasileiro. O brado “rumo a Tóquio” aparecia mais em sua versão irônica do que de fato profética. Era uma imensa piada interna, tanto que jamais foi atualizada para “rumo a Doha”, ou “rumo à Filadélfia!” — diz o escritor rubro-negro Marcelo Dunlop.
Farra no domingo após título mundial de 1981 do Flamengo
Athayde dos Santos
A chama reacendeu após o clube passar por outra mudança de paradigma. Nos anos 1980, um moleque franzino ganhou corpo e colocou o Flamengo no topo. Agora, o trabalho a ser feito era nos cofres rubro-negros. No novo século, finanças bem equacionadas levam a finais e títulos com frequência. E, nesse novo patamar, a torcida percebeu que podia pedir o mundo de novo.
— Com a revolução financeira dos últimos dez anos, começamos a nos acostumar com a profecia. E aquele mágico dia que parecia nunca chegar foi ficando real. A torcida agora cantava: “Voltaremos, voltaremos / A ser o número um / A ganhar o Mundial / Como em 81!”. E ninguém mais ria — completa Dunlop.
Trio Elétrico durante festa do título mundial do Flamengo em 1981
João Roberto Ripper/Agência O GLOBO
Time de 1981 ou de 2025?
Quis o destino que o ápice pudesse ter sido atingido de novo contra o Liverpool. Mas os tempos são outros. O euro fala mais alto que o real do que antes. Os “bruxos”, que voltaram em 1981 como profetizou a imprensa inglesa em referência aos jogadores brasileiros, estão espalhados pelo mundo. Firmino, na prorrogação, pôs fim ao sonho em 2019.
Flamengo voltou a disputar o Mundial de Clubes na edição de 2019, na final contra o Liverpool
Giuseppe CACACE / AFP
Hoje o mundo pode ser rubro-negro novamente, e as ruas tomadas em proporções bem maiores do que as estimativas de quatro décadas atrás — parte da delegação que voltou ao Brasil foi recebida por cerca de 100 pessoas no aeroporto. E, após a nova possível catarse, a pergunta que domina as mesas redondas poderá ser finalmente respondida: qual é o maior time da história do Flamengo?
—Nosso comandante tem comparado grandes times a obras de arte. O de 1981 é Portinari, o de 2019 é Di Cavalcanti ou algum grande pintor português. Que arte Filipe Luís está preparando? No fundo a torcida só quer desfrutar. No meu caso, eu só teria uma dúvida entre 1981 e 2025: Lico ou Lino no ataque? Tomara que rendam discussões eternas na mesa de bar — diz Dunlop.
Flamengo bateu Pyramids e está na final do Intercontinental contra o PSG
Gilvan de Souza/Flamengo
