Dos 47,3% da devastação global aos 6 milhões de hectares de florestas perdidos: o desmatamento no Brasil em números
A COP30 começa daqui a menos de um mês em Belém em um mundo longe de zerar o desmatamento. Um relatório global divulgado ontem, e que ajudará a pautar os debates na capital do Pará, traça o cenário sobre o qual ocorrerão as negociações, e o que se vê são florestas transformadas em terra das promessas descumpridas. As nações só cumpriram cerca de 37% de suas próprias metas. A avaliação é clara: sem o engajamento de países-chave como o Brasil, a meta global de desmatamento zero até 2030 é inalcançável.
As florestas do Brasil em números
3,84 milhões de hectares de florestas tropicais úmidas foram perdidos no Brasil em 2024. A Amazônia respondeu por 91% disso.
A perda representa 47,3% de toda a redução global de floresta tropical úmida no ano.
O desmatamento caiu 22%, mas ainda é três vezes maior do que o nível compatível com a meta de desmatamento zero até 2030.
6,2 milhões de hectares de florestas brasileiras sofreram degradação em 2024 (principalmente por incêndios e exploração seletiva).
Os incêndios na Amazônia foram o principal fator, sendo responsáveis por 65% da degradação do país. A área queimada na Amazônia brasileira em 2024 foi de 5,8 milhões de hectares.
As emissões dos incêndios amazônicos superaram as emissões anuais totais da Alemanha, ou 791 milhões de toneladas métricas de CO2 equivalentes, a medida usada para contabilizar as emissões de gases-estufa.
O Brasil emitiu 1,19 gigatonelada (Gt) de CO₂ equivalente em 2024 apenas por mudança no uso da terra e florestas.
Isso representa 41% das emissões globais provenientes de desmatamento tropical.
As emissões totais do país (todas as fontes) chegaram a 2,38 Gt de CO₂e, das quais 50% vêm do desmatamento e degradação florestal.
O país assumiu o compromisso de restaurar 12 milhões de hectares até 2030 (meta oficial do Brasil no Acordo de Paris). Mas até 2024, apenas 1,47 milhão de hectares haviam sido efetivamente restaurados — cerca de 12% da meta.
O ritmo atual (cerca de 250 mil hectares por ano) precisaria triplicar para que a meta fosse alcançada a tempo.
Para o bem e para mal, o Brasil é destaque na Avaliação da Declaração Florestal, análise anual e independente que mede o progresso em relação às metas assumidas na Declaração das Florestas de Glasgow, assinada na COP26, em 2021. Dono das maiores florestas dos trópicos, o país é historicamente um grande desmatador tanto em termos absolutos quanto relativos ao território, mas também há avanços significativos em rastreabilidade, bioeconomia e financiamento, destaca o documento.
A análise é baseada em dados oficiais ou publicados em revistas especializadas e preparada por instituições científicas, organizações da sociedade civil e governos, a exemplo do WRI, WWF e Observatório da Restauração e do Reflorestamento do Brasil.
Em 2024, 3,84 milhões de hectares de florestas tropicais úmidas foram perdidos no Brasil. O índice representa 47,3% da devastação no planeta ao longo do ano. Em comparação a 2023, o desmatamento no país caiu 22%, mas ainda é três vezes maior do que o nível compatível com a meta de desmatamento zero até 2030.
O Brasil também é o maior emissor global proveniente de mudança no uso da terra, sendo responsável por mais de 40% das emissões mundiais ligadas ao desmatamento tropical. Cabe notar que o país possui cerca de um terço das florestas tropicais úmidas do planeta, o que o torna naturalmente o território onde as perdas têm maior impacto global.
O relatório reconhece, por outro lado, que o Brasil é o único entre os cinco maiores desmatadores que apresentou queda consistente nas taxas de perda florestal em 2023–2024. Todavia, enfatiza que o país ainda está fora da trajetória necessária para alcançar as metas acordadas.
O Brasil registrou 6,2 milhões de hectares de floresta degradada, sobretudo por incêndios no Cerrado e na Amazônia. As emissões resultantes foram equivalentes às emissões anuais combinadas de países como Japão e Alemanha.
A diminuição do desmatamento na Amazônia Legal, segundo o estudo, demonstra avanços recentes nas políticas de comando e controle. Contudo, mesmo com avanços, mais de 90% das derrubadas continuam ilegais.
O estudo salienta ainda que a política se tornou o maior motor do desmatamento no país. Decisões do Congresso, sobretudo a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (Lei nº 15.190/2025), sancionada com vetos pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ameaçam as metas nacionais de redução das emissões de CO2, em detrimento de outros setores da economia. “As pressões econômicas e políticas estão corroendo o que foi alcançado”, resume o relatório, que reúne dados de 140 países.
“O Brasil está diante de uma escolha decisiva. Pode consolidar-se como líder da transição verde global — ou repetir o ciclo de avanços e retrocessos que tem marcado sua política ambiental nas últimas décadas”, ressalta o documento.
Um Panamá perdido
As florestas do planeta perdem entre 6 e 7 milhões de hectares por ano, e países ricos continuam exportando desmatamento por meio de suas cadeias de consumo. Em 2024 a situação se agravou, e 8,1 milhões de hectares de floresta tropical, ou um Panamá, foram perdidos no mundo. É o equivalente a 3,1 milhões de hectares acima da perda máxima consistente com a meta de 2030 e maior do que a taxa de perda registrada em 2021, quando os líderes mundiais renovaram compromissos ousados para acabar com o desmatamento.
O relatório aponta que nações ricas causam até 15 vezes mais danos à biodiversidade no exterior do que em seus próprios territórios, especialmente via importação de soja, carne, madeira e óleo de palma. No caso brasileiro, o documento cita avanços importantes em tecnologia e governança ambiental, com destaque para sistemas de rastreabilidade digital e fortalecimento de instrumentos de controle de cadeias produtivas.
O estudo elenca entre as iniciativas de impacto positivo o Selo Verde, lançado em 2024, que vincula certificação ambiental ao Cadastro Ambiental Rural; o Plano Nacional de Identificação de Bovinos e Búfalos, que prevê rastreabilidade total do rebanho até 2032; e a plataforma AgroBrasil+Sustentável, que integra dados públicos e privados para garantir conformidade socioambiental de exportações.
O Brasil é descrito como líder potencial da bioeconomia tropical, com capacidade de atrair até US$ 50 bilhões anuais em investimentos verdes, se mantiver segurança jurídica e rastreabilidade total das cadeias produtivas. Programas como Amazônia Sempre (BID) e a Iniciativa de Bioeconomia do G20 são citados como eixos desse crescimento.
Mas, segundo o relatório, o sucesso dessas políticas dependerá de coerência entre os níveis federal e estadual — e da capacidade de o país evitar retrocessos antes da COP30. A suspensão temporária da Moratória da Soja, revertida após decisão judicial, também é mencionada como sinal de instabilidade regulatória.
“As alterações legais ampliam brechas para o desmatamento e fragilizam a segurança jurídica necessária para investimentos sustentáveis”, diz o estudo.
O relatório mostra ainda que estados amazônicos, como Acre, Rondônia e Mato Grosso têm reduzido áreas de conservação e aprovado leis próprias de licenciamento, frequentemente em desacordo com normas federais. O Brasil aparece como um dos “hotspots globais” desse problema, ao lado de Indonésia e República Democrática do Congo.
