Dívidas, recuperação e investimentos de SAFs: o que Fair Play muda no dia a dia do futebol brasileiro

 

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Um futebol brasileiro mais desafiante em termos de gestão e ao mesmo tempo, nivelado por cima. Apresentado na última terça-feira, em reunião do grupo de trabalho entre clubes e CBF, o modelo de Fair Play Financeiro mexe com aspectos como endividamento e mira o equilíbrio entre receitas e operação. A ideia é impor aos clubes as práticas de responsabilidade financeira, por anos negligenciadas no futebol do país.

O modelo, uma versão prévia e ainda passível de ajustes finais, ficou aberto a sugestões dos clubes até a última sexta-feira. A versão final está prevista para ser apresentada no próximo dia 26, no Summit CBF Academy.

Entre o conjunto de regras, o mais imediato é o controle de dívidas: há a exigência de quitação ou ao menos uma renegociação com credores (partes ou pessoas a quem o clube deve) considerados importantes, como outros clubes e os próprios atletas e treinadores, dos valores atrasados. A ideia é eliminar casos, por exemplo, como a cobrança pública do Cuiabá ao Corinthians pelo volante Raniele, que foi à Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD) da CBF e ainda assim rendeu um transfer ban ao time paulista em outubro, por atraso de pagamento de uma das parcelas.

Raniele é alvo de desentendimentos entre Cuiabá e Corinthians

Rodrigo Coca/Agência Corinthians

Clubes como o Corinthians, que vive profunda crise financeira e tem dificuldades em sanear as cobranças, precisarão sentar na mesa de negociação com seus credores e estruturar planos de pagamentos, uma vez que o modelo exige acerto de dívidas até novembro de 2026.

A partir de 2029, o endividamento passa a ser cobrado de forma mais incisiva: as dívidas de curto prazo, ou seja, com 12 meses de prazo para pagamento, não poderão ultrapassar 45% da receita (valor arrecadado no ano pelo clube). A ideia é simples: evitar que as agremiações mirem mais alto do que podem pagar sem comprometer a operação.

Investimentos

Entre as regras, não foi determinada uma barreira para investimentos externos, caso das SAFs, que vêm arrebatando o futebol brasileiro nos últimos quatro anos. Há caminho livre para operações como a do Bahia, que teve o City Football Group pagando dívidas. Ou do Botafogo e do Cruzeiro, que têm recursos dos investidores utilizados em contratações, salários e outras despesas.

Por outro lado, mesmo esses clubes “turbinados” precisarão se adequar, até 2029, a outro preceito do regulamento. Progressivamente, precisarão chegar a tal ano com folha salarial e amortização (valores pagos em transferências divididos contabilmente ao longo dos contratos) equivalentes a até 70% das receitas. Com isso, será preciso equiparar o que se gera de dinheiro com o que se gasta, independentemente da fonte dos recursos.

Ronaldo e Pedro Lourenço: Cruzeiro foi a primeira SAF revendida entre os 12 grandes

Gustavo Aleixo/Cruzeiro

Um ano antes, já será necessário se adaptar a algo ainda mais difícil para boa parte das equipes brasileiras: o equilíbrio operacional. As receitas precisarão ser superiores ao valor da operação em geral do clube. Categorias de base, estrutura, futebol feminino e esportes olímpicos não entram nessa conta. Em conjunto com a regra anterior, o objetivo é forçar que as equipes não comprometam o futuro e não se endividem mais.

A geração de receitas também será um desafio para os clubes de menores torcidas, principalmente os que frequentam pouco a Série A. Hoje, o Mirassol, que montou um elenco competitivo de custo equilibrado, é visto como exemplo ideal. O caminho da equipe do interior paulista deve ser o único possível para agremiações semelhantes nos próximos anos.

Recuperação judicial

O modelo também estabelece regras mais rígidas para clubes que entrem em recuperação judicial, mecanismo utilizado por SAFs como a do Cruzeiro e do Botafogo, além de, mais recentemente, o Vasco. O cruz-maltino, que teve seu plano aprovado pelos credores no início de outubro, tende a ser o último ou um dos últimos a passar pelo processo com a liberdade atual em relação às contas do futebol, já que a transição, neste ponto do projeto, está prevista para acontecer até 2028.

Pedrinho, presidente do Vasco. Clube passa por recuperação judicial

Matheus Lima/Vasco

Com as novas regras, os clubes em recuperação judicial não poderão aumentar suas folhas salariais acima da média que tinham antes do processo. Também não poderão se endividar em janelas de transferências: o valor investido em compras deve ser igual ou menor que o das vendas.

As punições, progressivas, passam por advertência, multa, retenção de receitas, transfer ban, dedução de pontos e até rebaixamento. Antes, em uma primeira violação, o clube que descumprir as regras poderá apresentar um plano de ação e ficará em monitoramento. A expectativa é que a CBF crie um órgão específico para fiscalizar as novas regras.