Decisão 'consciente e legítima': entenda o que levou Bolsonaro a divulgar carta que formaliza Flávio para 2026
Em meio a resistências de aliados e de lideranças do Centrão, o ex-presidente Jair Bolsonaro formalizou ontem, em carta, a indicação do filho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), como seu candidato à Presidência da República em 2026. A mensagem foi lida pelo próprio Flávio na porta do hospital DF Star, em Brasília, pouco antes da cirurgia do pai, na manhã de ontem, para corrigir uma hérnia inguinal bilateral. No texto, redigido de próprio punho, Bolsonaro diz que a decisão por Flávio é “consciente e legítima”.
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A cirurgia de Bolsonaro durou cerca de três horas e meia e, segundo a equipe médica, terminou sem intercorrências. A estimativa é de cinco a sete dias de recuperação; ainda não há previsão de alta. A leitura da carta, ontem, antecipou a chancela do ex-presidente pelo filho, em um momento em que Flávio busca driblar obstáculos e se firmar como candidato. Diante do hospital, Flávio afirmou que a carta “retira qualquer sombra de dúvida” sobre sua pré-candidatura à Presidência em 2026 e cobrou unidade da direita em torno de seu nome.
Bolsonaro escreveu carta de próprio punho
Reprodução
— Como muitas pessoas dizem que não ouviram da boca dele, acho que isso aqui retira qualquer sombra de dúvida. Para mim não muda nada, mas para quem ainda não estava acreditando pode ser que mude — disse o senador, completando que seu objetivo é “evitar que o PT destrua o país”: — Espero que a gente se una. Temos que buscar neste momento a unidade para alcançar esse objetivo comum.
Prioridades
Na carta, Bolsonaro diz que a escolha por Flávio representa a continuidade de seu projeto político. O ex-presidente também afirmou ter indicado o filho por conta do que classificou como um “cenário de injustiça”, em referência velada à sua condenação a 27 anos de prisão no processo da tentativa de golpe, sentença que o impede de disputar eleições por todo esse período.
“Entrego o que há de mais importante na vida de um pai: o próprio filho para a missão de resgatar o nosso Brasil. Trata-se de uma decisão consciente, legítima e amparada no desejo de preservar a representação daqueles que confiaram em mim”, diz a carta assinada pelo ex-presidente.
Após a leitura do texto, além de cobrar união de aliados em torno de sua candidatura, Flávio citou um dos irmãos, o vereador carioca Carlos Bolsonaro, e a madrasta, Michelle. O senador afirmou que os três estão “em primeiro lugar, imbuídos na saúde” do ex-presidente, para “depois dar continuidade” a pretensões eleitorais.
Flávio tenta contornar resistências à sua pré-candidatura, embora pesquisas mais recentes, que o mostram à frente de outros nomes cotados da direita, lhe tenham dado fôlego. Antes da cirurgia de ontem, havia a expectativa de que Bolsonaro aproveitasse uma entrevista ao portal Metrópoles, marcada para terça-feira, para anunciar o filho como seu sucessor. A entrevista, porém, foi cancelada pouco antes do horário marcado, porque o ex-presidente alegou questões de saúde.
Caso a carta de Bolsonaro, com o anúncio do apoio a Flávio, não tivesse sido lida ontem, havia a possibilidade de que o senador entrasse em 2026 ainda sem uma sinalização pública do pai de endosso à sua pré-candidatura. Até então, a única manifestação sobre o lançamento de Flávio como presidenciável havia sido feita pelo próprio senador, no início de dezembro, quando disse ter sido autorizado pelo pai a fazer o anúncio.
Desde então, o senador vinha recebendo críticas de lideranças da direita próximas ao pai, como o pastor Silas Malafaia, e de presidentes de siglas do Centrão. Malafaia chegou a declarar que Flávio não tinha “musculatura política” para uma corrida eleitoral contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concorrerá à reeleição. O pastor defendia uma chapa encabeçada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e com a ex-primeira-dama Michelle de vice. Já o presidente do PP, Ciro Nogueira, afirmou que, apesar da proximidade com o filho do ex-presidente, política “não se faz só com amizade”, mas sim “com pesquisas, viabilidade e ouvindo os partidos aliados”.
A escolha por Flávio também gerou resistências dentro da família Bolsonaro, em especial de Michelle. A ex-primeira-dama, que acalentou a possibilidade de ser lançada candidata à Presidência, publicou ontem um pedido de oração para o marido antes da cirurgia. Ela permaneceu no hospital após o procedimento, acompanhando o ex-presidente no quarto.
Esquema de segurança
Carlos, que chegou ao hospital junto com Flávio, afirmou após a cirurgia que os médicos ainda vão avaliar a necessidade de novos procedimentos no pai, “em razão dos soluços persistentes”. Ele também permaneceu no hospital, e disse estar “ajudando Michelle nos cuidados no pós-operatório”.
O vereador reclamou do esquema de segurança envolvendo a operação. Ele publicou nas redes sociais uma foto que tirou do pai durante outra internação do ex-presidente, em maio deste ano; desta vez, a família não foi autorizada a entrar com o celular no hospital.
“O número de policiais mobilizados para acompanhar o procedimento e toda a movimentação ultrapassa qualquer limite que qualquer ser humano consideraria razoável — é algo absolutamente inacreditável e constrangedor”, escreveu Carlos, que já anunciou a renúncia ao seu mandato na Câmara do Rio para concorrer ao Senado por Santa Catarina no ano que vem.
De acordo com o cirurgião Cláudio Birolini, o procedimento em Bolsonaro transcorreu dentro do esperado. Ele afirmou que o ex-presidente não precisou ser encaminhado à UTI, está falando normalmente e segue bem assistido pela equipe. Bolsonaro foi levado para o DF Star na manhã de anteontem, véspera da operação, em comboio que partiu da superintendência da Polícia Federal (PF) em Brasília, onde o ex-presidente cumpre pena pela condenação na trama golpista.
A hospitalização foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após perícia da PF apontar a necessidade da intervenção médica. A cirurgia é considerada eletiva, mas foi indicada para evitar o agravamento e possíveis complicações do quadro de soluços constantes do ex-presidente, uma consequência da facada que ele sofreu na campanha eleitoral de 2018. O procedimento envolveu anestesia geral e tem como objetivo reposicionar o conteúdo abdominal e reforçar a musculatura da região da virilha, onde ocorre o enfraquecimento da parede abdominal.
Após o procedimento, os médicos também detalharam a situação dos soluços persistentes de Bolsonaro nos últimos meses. O cardiologista Brasil Ramos Caiado disse que a equipe optou por uma abordagem mais conservadora no momento, mas não descarta realizar nos próximos dias um novo procedimento para bloqueio do nervo frênico, considerado mais invasivo.
— Optamos, por questão de precaução, por observar para ver a necessidade desse procedimento. Ele pode ser feito nos próximos dias, talvez na segunda-feira. Vamos ver como é a evolução clínica dele em relação ao soluço — declarou.
De acordo com os médicos, o soluço pode estar relacionado a alterações no sistema digestivo e, neste momento, não há indicação de complicação neurológica. A conduta definida inclui intensificação do tratamento medicamentoso, ajustes na dieta e acompanhamento da resposta clínica.
O médico Cláudio Birolini disse ainda que novos exames, como uma endoscopia, poderão ser realizados durante a internação. Ele permanecerá em Brasília enquanto Bolsonaro estiver hospitalizado.
