De suspeita de desvio de emendas a fraude no INSS, investigações miram ao menos 21 parlamentares

 

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Suspeitas de desvios em verbas de gabinete, avanço de investigações sobre emendas parlamentares e fraudes no INSS ampliaram a tensão entre Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF) e elevaram a lista de congressistas na mira do Judiciário. Levantamento do GLOBO identificou ao menos 21 deputados e senadores alvos de apurações levadas adiante pela Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A pesquisa levou em consideração processos, inquéritos e operações que já vieram à tona, mas há casos sob sigilo, então o número pode ser ainda maior.

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O episódio mais recente envolveu o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), e o deputado Carlos Jordy (PL-RJ). Policiais cumpriram mandados de busca e apreensão neste mês em endereços ligados aos dois. No apartamento usado por Sóstenes em Brasília, foram encontrados R$ 430 mil em dinheiro vivo, valor que o deputado atribuiu à venda um imóvel. Segundo ele, o montante não foi depositado em função da “correria” do dia a dia. Na semana passada, ele mostrou em um vídeo a escritura da casa e o Imposto de Renda.

Receio com ano eleitoral

A sucessão de operações fez líderes da Câmara afirmarem, sob reserva, que enxergam “motivação política” e manifestarem receio de que o movimento se intensifique em 2026, ano eleitoral.

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e o ministro Flávio Dino, do STF, conversaram após o episódio. Segundo Motta narrou a interlocutores, o objetivo era demonstrar insatisfação e buscar explicações para as ações que miram deputados. Há uma avaliação da cúpula da Casa de que há pouca transparência nesses inquéritos.

No caso de Sóstenes e Jordy, a suspeita da PF é de um esquema de desvio de verbas de gabinete por meio de contratos de aluguéis de veículos, o que ambos negam — Jordy tratou o caso como “perseguição à oposição”. Relator do caso no STF, Dino determinou as quebras de sigilo bancário e telemático dos parlamentares, o que vai permitir o acesso a movimentações financeiras e a mensagens.

A operação adicionou mais turbulência ao bolsonarismo, que já havia sofrido reveses recentes com as cassações dos deputados Alexandre Ramagem (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro (PL-SP), além da renúncia de Carla Zambelli (PL-SP), que está presa na Itália e tivera a perda de mandato determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF.

Ramagem foi condenado a 16 anos de prisão na trama golpista e fugiu para os Estados Unidos, enquanto Eduardo virou réu no STF por coação à Justiça por supostamente articular sanções a autoridades brasileiras. Zambelli, por sua vez, já cumpre pena no caso em que foi condenada por invasão hacker ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Outro expoente do bolsonarismo, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), anunciado como pré-candidato à Presidência, é um dos alvos de uma investigação que apura os resultados da CPI da Covid, finalizada em 2021. Na ocasião, ele teve o indiciamento pedido pela comissão por “incitação ao crime”. Em agosto, Dino determinou que a PF abrisse um inquérito para aprofundar os fatos apontados pela CPI.

À época, em publicação nas redes sociais, Flávio criticou a decisão. “Esses fatos já foram amplamente investigados e arquivados. Fato novo? Não existe!”, escreveu. Procurado novamente, não se manifestou.

As investigações também atingem nomes próximos ao governo. Um dos vice-líderes no Senado, Weverton Rocha (PDT-MA) foi alvo de nova fase da Operação Sem Desconto. O senador foi apontado pelos investigadores como “sustentáculo político” e “sócio oculto” da organização criminosa investigada pelos desvios de aposentadorias do INSS.

As investigações indicaram que Weverton mantinha vínculos estreitos com Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, peça-chave no esquema de descontos indevidos. O senador chegou a receber o empresário em sua residência para um churrasco. Além disso, a PF encontrou arquivos intitulados “Grupo Senador Weverton” com funcionários das empresas do Careca do INSS. “Ressalto que a decisão da Corte é clara ao reconhecer a ausência de provas que me vinculem a práticas ilícitas ou ao recebimento de recursos irregulares”, disse Weverton.

Outra frente de investigação é sobre o destino de emendas. Há duas semanas, a PF fez uma operação que teve como alvo central Mariângela Fialek, a Tuca, ex-assessora de Arthur Lira (PP-AL). Segundo a apuração, ela era conhecida na Câmara por ser a funcionária responsável por operar a distribuição de verbas das emendas durante a gestão Lira.

Parlamentares reforçaram, em depoimento, as suspeitas de que Tuca exercia controle sobre montantes bilionários. O deputado José Rocha (União-BA) relatou ter recebido dela uma minuta de ofício para a liberação de R$ 1,125 bilhão sem a identificação clara de autores ou beneficiários. A defesa de Fialek nega irregularidades, sustentando que sua atuação era estritamente técnica e impessoal.

Em conversa com jornalistas, Motta disse respeitar a atuação do STF e condenar o mau uso das emendas, mas ressaltou ser preciso separar o que deve ser apurado sobre eventual mau uso dos recursos e o que é “exagero” da Corte. O tema também chegou ao diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues.

— A atividade política não vai ser criminalizada, ninguém vai ser responsabilizado por distribuir recursos que estão previstos em lei. Agora, aqueles que desviarem, nós vamos apresentar ao Poder Judiciário as nossas conclusões. Sem caça às bruxas — disse Rodrigues há duas semanas.

Diversas frentes

O STF se prepara para julgar casos envolvendo emendas. Em maio, a Primeira Turma tornou réus os deputados Josimar Maranhãozinho (MA) e Pastor Gil (MA) e o suplente Bosco Costa (SE), por suspeita de “comercialização” de emendas. Segundo a acusação, os três solicitaram a um prefeito “vantagem indevida” de R$ 1,6 milhão em troca da indicação de R$ 6,6 milhões em emendas. Os três negam.

As apurações sobre emendas são extensas. Um dos braços é a Operação Overclean, que apura suspeitas em recursos direcionados pelo deputado Elmar Nascimento (União-BA) a Campo Formoso (BA), seu reduto político. Procurado, ele não se manifestou, mas, em outras ocasiões, já negou irregularidades.

Diante da sucessão de operações, parlamentares vêm discutindo, por exemplo, mudar a lei para restringir as possibilidades em que ministros do STF podem dar decisões individuais. O provável julgamento no ano que vem de uma ação que discute a obrigatoriedade do pagamento de emendas também deve alimentar novos atritos.

— Entendo que há excessos em decisões monocráticas e medidas cautelares. Cabe ao Congresso ter coragem de mudar a legislação, diminuindo o espaço para subjetividade — afirma o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que foi o relator na Câmara da PEC da Blindagem.

O deputado Evair de Melo (PP-ES), um dos vice-líderes da oposição, corrobora a opinião:

— São decisões que estão sendo tomadas com “suspeitas “ e nenhum lastro. Obviamente que tem excessos.