De questões internas ao dilema fóssil: presidência brasileira da COP ainda tem desafios pela frente até passar o bastão

 

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O encerramento da COP30, em novembro, sem a inclusão de qualquer menção aos combustíveis fósseis no documento final, é apenas um dos desafios que a presidência brasileira da conferência enfrenta até a passagem de bastão para o evento do ano que vem. A resistência capitaneada por países produtores de petróleo que prevaleceu no Pará, a dificuldade de angariar financiamento climático e questões ambientais internas estão entre as dificuldades, destacadas por especialistas, que deverão ser encaradas pela equipe capitaneada pelo embaixador André Corrêa do Lago até a próxima edição, que ocorrerá na Turquia. Até lá, pelas regras da ONU, o diplomata segue como principal nome do grupo.

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Os altos e baixos da COP30: veja o que avançou e o que empacou

Apesar da intenção da delegação brasileira, reiterada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva quando esteve em Belém, a elaboração de um “mapa do caminho” para a eliminação do uso de combustíveis fósseis não foi acordada. Coube a Corrêa do Lago o anúncio de que o Brasil lideraria a formação de roadmaps paralelos para esse tema e para o desmatamento.

O cientista Carlos Nobre, referência internacional no debate sobre Amazônia e mudanças climáticas, entende haver uma intenção concreta do Brasil de avançar nessa discussão. Ele destaca o encontro diplomático que será realizado em Bonn, na Alemanha, em meados de 2026, como um momento-chave neste percurso.

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— O maior desafio é fazer com que todos os países concordem com o fim do uso de combustíveis fósseis. Muitos já declaravam em Belém que não iriam aderir. Os que mais chamaram atenção foram Rússia, China e Emirados Árabes. Já o roadmap pelo fim do desmatamento encontrou entraves nos países tropicais que não têm planos de zerar a devastação até 2030. Isso ocorre, sobretudo, em nações produtoras agrícolas. Se questionar o mercado do agro, eles não apoiam — afirma Carlos Nobre.

Três eixos prioritários

O comitê científico criado por Corrêa do Lago para a conferência continuará ativo no próximo ano, auxiliando a presidência da COP30 em três principais áreas: a redução de emissões, do desmatamento de florestas tropicais e do uso de combustíveis fósseis.

— Esses três tópicos devem guiar a ação brasileira em 2026 para que possamos chegar na próxima COP com documentos bem elaborados, consolidados e negociados com demais países — aponta Paulo Artaxo, cientista membro do comitê.

COP30: Sob críticas de ambientalistas, Lula pede que ministérios elaborem ‘mapa do caminho’ nacional para transição energética

Especialista em Política Climática do Observatório do Clima, Stela Herschmann destaca que a presidência brasileira deve usar outros eventos, como as semanas de mudanças climáticas pelo mundo, para ajudar a destravar as negociações sobre financiamento climático. A pesquisadora acredita que a elaboração dos “mapas do caminho” é o principal desafio da equipe de Corrêa do Lago, uma vez que é uma iniciativa liderada unicamente pelo Brasil.

— Será desafiador realizar o desenho desse processo até o fim do uso de combustíveis fósseis, e garantir o trabalho com países que apoiaram o “roadmap” na COP30. É importante para conseguirmos ter, além de um relatório técnico, um movimento nestas nações e decisões na COP31. A implementação é eminentemente nacional, por isso é necessário o engajamento internacional — explica Herschmann.

Em dezembro, o presidente Lula determinou que os ministérios de Minas e Energia, do Meio Ambiente, da Fazenda e a Casa Civil também elaborem, em até 60 dias, um “mapa do caminho” nacional para a transição energética. Ainda que tenha defendido a pauta durante a COP30, o governo federal recebeu críticas por ter aprovado, no mês anterior à conferência, a perfuração para exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.

Para Nicole Oliveira, diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, o “primeiro desafio do Brasil até a COP31 é a implementação dos compromissos climáticos assumidos em Belém”.

— A meta climática que foi apresentada pelo Brasil prevê a redução de emissões, mas estamos vendo um aumento delas no país, principalmente no setor de energia. A política interna brasileira tem sido pró-fósseis nitidamente. Há também o desafio da conservação da biodiversidade, principalmente com a nova mudança da Lei de Licenciamento Ambiental — enumera Oliveira.