De espinafre que cresce mais rápido a feijão que precisa de menos água, as soluções na COP30 para resistir ao calor
Parte das soluções para combater mudanças climáticas e garantir a segurança alimentar está no feijão com arroz de todo santo dia. Mas pode ter também o gosto de aipim e da batata doce, enriquecer a salada, temperar um peixe ou ainda assegurar que em tempo de seca não falte comida no prato.
A ciência que possibilitou transformar o Brasil de importador à potência mundial de produção de alimentos também desenvolve variedades mais nutritivas e resistentes, fertilizantes e compostos protetores naturais. Há ainda cultivares mais adaptados ao calor e à seca. E outros que reduzem a necessidade do uso de produtos químicos e de importação.
Muitas dessas plantas, desenvolvidas por cientistas da Embrapa, serão apresentadas na COP30 em “vitrines vivas”, plantações da AgriZone, a Casa da Agricultura Sustentável. A AgriZone fica na sede da Embrapa Amazônia Oriental.
Vitrine da Embrapa na COP30 exibe variedades de plantas mais resistentes a seca e ao calor
Ana Lucia Azevedo
O arroz do cardápio climático pode ser o Esmeralda, que precisa de menos água para produzir. Ele combina com o feijão Tumucumaque tem mais zinco e ferro nos grãos. Os alimentos chamados biofortificados são parte da adaptação, ao garantir uma nutrição de qualidade.
O destaque da nova salada fica por conta de uma variedade de espinafre que cresce mais depressa e cujas folhas são maiores que uma mão. Um tempero que recebeu uma ajuda da ciência para se tornar mais sustentável é a pimenta-do-reino. Cientistas da Embrapa descobriram que se a pimenteira, uma trepadeira, for cultivada com um “tutor vivo” e não com uma estaca ela cresce melhor, vive mais e ainda evita o desmatamento.
O tutor escolhido foi a gliricídia, uma árvore que oferece sombra aos produtores rurais, tolera bem a seca e ainda ajuda a fixar no solo nitrogênio, nutriente que as plantas precisam para se desenvolver.
— Com o plantio da gliricídia associado à pimenta se evita o corte da floresta e se contribui para sequestrar CO2 — explica o chefe da Embrapa Amazônia Oriental, Walkymário Lemos.
Já se a ideia for comer aipim frito ou na manteiga, há, por exemplo, a mandioca dourada enriquecida com vitamina A. Uma opção de carboidrato são as variedades de batata doce biofortificadas. Caso da Amélia e da Nuti, ricas em provitamina A. Essas variedades também toleram melhor a falta d’água.
Outras variedades de batata roxa, como a Anembé e a Cotinga, têm alto teor de antocianinas, substâncias com ação anti-inflamatória e associadas à prevenção de câncer, diabetes e doenças cardiovasculares.
O milho 4104 não tem qualquer charme no nome, mas apresenta grande concentração de carotenoides, que no corpo se convertem em vitamina A. Ele também cresce em cerca da metade do tempo das variedades comuns.
— A agricultura brasileira é e deve continuar a ser baseada em ciência. Podemos ter uma agricultura de baixo carbono e mais resiliente. Queremos mostrar isso na COP30 — afirma a presidente da Embrapa, Silvia Massruhá.
Diferentemente das demais “casas” da COP30 espalhadas por Belém, essa tem uma área “rural” em plena Belém, com plantações desenvolvidas em unidades da Embrapa de todo o Brasil, parte do esforço do país em adaptação e segurança alimentar.
— A agricultura muitas vezes é lembrada como problema para o clima, mas também é parte da solução. A adaptação da agricultura há anos é prioridade de países europeus e EUA, que nunca quiseram ajudar a financiar a de outros países. A adaptação do campo é fundamental para nossa economia e segurança alimentar — afirma Marcelo Morandi, pesquisador da Embrapa que atua junto à equipe de negociadores do Itamaraty na COP30.
O desenvolvimento de plantas mais resilientes ou nutritivas se encaixa nesse contexto, num momento em que extremos do clima levam a perdas no campo. O resultado tem sido visto no aumento do preço da comida e no endividamento de produtores rurais. Apenas cerca de 10% da produção agrícola brasileira tem seguro, observa Gustavo Moser, que integra o mesmo grupo de Morandi.
A diretora de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologia da Embrapa, Ana Euler, diz que variedades biofortificadas de culturas como mandioca e banana com foco na Amazônia estão sendo apresentadas. Há ainda aquelas adequadas a outras regiões.
Essas variedades foram desenvolvidas por meio de melhoramento genético convencional a partir da análise de amostras do Banco de Germoplasma da Embrapa, o maior do Sul global, com amostras de plantas, animais, fungos e microrganismos. Só de sementes são 140 mil.
Uma vez que a característica almejada é selecionada são cruzadas numerosas variedades da mesma espécie até se chegar a uma planta com concentração mais elevada de um nutriente ou tolerância maior à falta de água, por exemplo.
Um dos focos de uso de variedades mais adaptadas é a agricultura familiar, que envolve 3,7 milhões de produtores rurais com até quatro módulos fiscais (o tamanho varia entre os estados).
Outra forma de adaptar o campo e a comida, a energia e tudo mais que ele produz são os insumos de base biológica, como fertilizantes, defensores agrícolas e compostos capazes de aumentar a resistência a estresse ambiental. O Brasil é o país que mais usa esses bioinsumos, diz Massruhá.
Entre eles está o Auras. Trata-se de uma espécie de probiótico para plantas feito com uma combinação de microrganismos do solo. Cientistas descobriram que esses microrganismos protegem as raízes dos cactos da Caatinga à escassez de água. A Embrapa já testou com o Auras com sucesso no milho e agora o experimentará em outras culturas.
Euler acredita que um dos bioinsumos mais promissores é o BiomaPhos. Também se baseia numa combinação de microrganismos do solo que aplicada na planta a faz captar melhor o fósforo, um nutriente essencial.
A agricultura brasileira depende hoje da importação de fertilizantes. Entre 80% a 90% dos fertilizantes, como o fósforo, são importados. Bioinsumos como BiomaPhos contribuem para reduzir essa dependência.
— Ao embarcar tecnologia, inclusive em plantas e métodos tradicionais, abrimos uma frente importante de adaptação e para uma economia de baixo carbono — frisa Lemos.
