
Crime da 113 Sul: após anulação de sentença, homem preso por 15 anos é solto e vai a igreja agradecer

Francisco Mairlon Barros Aguiar deixou presídio da Papuda, em Brasília, na madrugada desta quarta-feira. Horas antes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou condenação dele e determinou a imediata soltura após quase 15 anos de prisão pelo suposto envolvimento em um triplo homicídio ocorrido em 2009, na quadra 113 Sul. Antes de ir para casa, Mairlon parou em frente à Paróquia Nossa Senhora Imaculada Conceição, no Novo Gama, e fez uma oração para agradecer pela liberdade.
A decisão da Sexta Turma também tranca a ação penal, extinguindo o processo desde o início e encerrando formalmente a condição de réu de Mairlon no caso. Segundo o Metrópoles, depois de rezar, Mairlon seguiu para casa, de onde telefonou para a mãe, que mora no Ceará.
Estatuto do Desarmamento: Senado aprova projeto que endurece penas para crimes cometidos com violência
Licenciamento Ambiental: Randolfe diz que governo busca acordo às vésperas da COP-30 para sessão do Congresso que pode derrubar vetos ao PL
O caso ficou conhecido nacionalmente pela brutalidade: o advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) José Guilherme Villela, sua esposa Maria Villela e a empregada da família, Francisca Nascimento da Silva, foram assassinados a facadas no apartamento onde moravam.
Mairlon havia sido condenado a 47 anos de prisão por homicídio e furto qualificado, com base em confissões dadas à polícia que jamais foram confirmadas em juízo. Para o relator do recurso, ministro Sebastião Reis Júnior, a condenação foi sustentada exclusivamente por elementos da fase extrajudicial, o que fere os princípios do contraditório e da ampla defesa.
"É inadmissível que, no Estado Democrático de Direito, um acusado seja pronunciado e condenado por um tribunal de juízes leigos, apenas com base em elementos de informação da fase extrajudicial, dissonantes da prova produzida em juízo e sob o crivo do contraditório", afirmou o ministro.
Segundo o STJ, as confissões obtidas durante o inquérito policial foram desmentidas durante a fase judicial, tanto por Mairlon quanto por outros dois réus. Para os ministros, não havia provas materiais ligando Mairlon à cena do crime, e os depoimentos em juízo dos próprios corréus o inocentavam.
O caso foi classificado como "erro judiciário gravíssimo" pelos integrantes da Sexta Turma. "Me espantou essa utilização de elementos meramente informativos, levantados na fase administrativa, serem transformados em provas sem qualquer cotejamento com os demais elementos", disse o ministro Carlos Pires Brandão. Já o ministro Og Fernandes declarou: "Todos aqui temos um único desejo, a verdade. [...] E parece que essa verdade assim obtida, pelo que vi, é falsa. Não convence."
De acordo com o g1, a decisão foi tomada a partir de um pedido da ONG Innocence Project, que atua na revisão de processos marcados por erros judiciais. A advogada Dora Cavalcanti, que representa a organização, afirmou durante o julgamento:
"Ao longo das 16 mil páginas e dos quatro anos, ao longo dos quais o Innocence Project estudou a condenação definitiva de Francisco Mairlon, o que se pode constatar é que ficou ele esquecido, invisibilizado. [...] A única coisa invocada como lastro para a denúncia, para a pronúncia, único elemento apresentado aos senhores jurados e usado também para manter a condenação foram confissões extrajudiciais."
Ela também sustentou que Mairlon foi "quebrado" sob pressão durante os interrogatórios. "Depois de seis horas, a chance de alguém assumir a responsabilidade por um crime que não cometeu sob a falsa promessa de que vai ser liberado para ir para casa aumenta exponencialmente", afirmou.
Em 2024, uma das principais reviravoltas no caso ocorreu com a retratação de Paulo Cardoso Santana, também condenado como executor. Ele confessou à ONG que havia mentido ao envolver Mairlon, alegando tortura policial:
"Francisco Mairlon não tem nada a ver com isso aí. Ele é inocente, entendeu? Ele é inocente. Ele foi levado em um processo a pagar por um crime que ele não cometeu. [...] Eles torturaram, eles fizeram tudo", declarou Santana.
Além de Paulo Santana, Leonardo Campos Alves, ex-porteiro do prédio e apontado como mentor da ação criminosa, também foi condenado. Os dois seguem presos. Adriana Villela, filha do casal assassinado, havia sido condenada como mandante, mas sua sentença também foi anulada pelo STJ em setembro, por cerceamento de defesa.
Francisco Mairlon foi preso em 2010, quando morava no município de Novo Gama (GO). Na época, sua esposa estava grávida de oito meses e ele trabalhava no comércio local. Durante todo o processo judicial, ele negou envolvimento no crime.
A defesa sustenta que, além da ausência de provas materiais como DNA ou impressões digitais, os depoimentos usados contra Mairlon foram colhidos em um ambiente de coação, e nunca confrontados de forma adequada pelo Judiciário.
O Ministério Público do Distrito Federal informou que aguarda o acesso completo ao acórdão para avaliar se irá recorrer da decisão.
Conhecido como Crime da 113 Sul, o triplo homicídio, ainda vivo na memória dos moradores da capital federal, ganhou série documental, disponível no Globoplay.