Crédito escasso e insegurança jurídica limitam inovação no agro

 

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O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo e o segundo maior exportador, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, mas ainda patina em pesquisa, desenvolvimento e inovação na agropecuária. As dificuldades, segundo especialistas, devem-se especialmente ao ambiente de insegurança jurídica para esse tipo de projeto e à falta de mecanismos consistentes de financiamento.

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— De maneira geral, o investimento em pesquisa e inovação no Brasil é bastante limitado. Essa é uma constante, que tem uma série de fatores, como instabilidade regulatória e as questões de segurança jurídica, mudanças frequentes de normas e uma legislação de patentes fraca, principalmente quando a gente fala em biotecnologia — afirma Thiago Falda, presidente-executivo da Associação Brasileira de Bioinovação (Abbi).

Eventuais barreiras comerciais, como as tarifas de 50% sobre a importação de uma série de produtos brasileiros que o governo americano impôs neste ano e políticas que priorizam investimentos locais, uma ação defendida pelo presidente dos EUA, Donald Trump, podem agravar essa situação.

Antônio da Luz, economista-chefe da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), lembra que a maior parte do investimento em ciência no Brasil vem dos Estados Unidos:

— Por isso, a piora nas relações entre os dois países gera apreensão.

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Longo prazo

Luz diz que, apesar de a agropecuária brasileira ter grande relevância, o país é pouco atrativo para investimentos, uma situação que a crise recente nas relações com os americanos pode agravar:

— O próprio presidente Donald Trump alegou que uma das razões para a taxação dos produtos brasileiros foi a nossa legislação de patentes frágil.

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Biotecnologia é um segmento em que o Brasil pode ter bastante destaque, segundo a Abbi — e é um campo que está em franca expansão. O número de patentes em biotecnologia cresceu em média 6,3% ao ano na última década, segundo a Organização Mundial da Propriedade Intelectual (Wipo, na sigla em inglês).

Esses investimentos em inovação costumam ser de longo prazo. Leva anos, ou mesmo décadas, até que esses projetos comecem a gerar retornos tangíveis, avalia Karine Teixeira Borri, professora do Departamento de Administração, Economia e Sociologia da Esalq, da Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea):

— Essa natureza de longo prazo dificulta ajustes rápidos em resposta a mudanças geopolíticas pontuais, como tarifas comerciais ou novas exigências regulatórias. Os projetos de pesquisa em andamento, as equipes já formadas e a infraestrutura que se cria representam investimentos estabelecidos, que não se consegue realocar geograficamente com facilidade.

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Na multinacional Basf, que investe mais de US$ 915 milhões em pesquisa, desenvolvimento e inovação por ano — o que corresponde a uma fatia de 9% a 10% da receita da empresa no mundo —, a estratégia de longo prazo é global.

— Em um lançamento de um defensivo agrícola, obter uma nova molécula exige um investimento estimado de US$ 300 milhões e 12 anos de pesquisa. Hoje, estamos desenvolvendo os produtos que estarão no mercado na próxima década — conta Marcelo Ismael, diretor de Inovação, Pesquisa e Desenvolvimento da Basf Soluções para Agricultura na América Latina.

A companhia aplica parte desses recursos no mercado brasileiro, que segundo Ismael, tem papel estratégico para o grupo. A Basf mantém no país centros de pesquisa, estações experimentais e laboratórios que simulam as condições locais de produção.

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Para André Savino, presidente da Syngenta Proteção de Cultivos no Brasil, o atual cenário geopolítico exige uma estratégia de investimentos em pesquisa, desenvolvimento e inovação que seja ao mesmo tempo globalmente integrada, com adaptações específicas para cada local:

— Não se trata de escolher uma região em detrimento de outra, mas, sim, de fortalecer nossa presença e capacidade de inovação nos principais mercados agrícolas do mundo, respondendo às suas necessidades específicas.

Segundo ele, o foco não é centralizar, mas diversificar e regionalizar investimentos. Por ano, a Syngenta desembolsa US$ 2 bilhões em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação em sua rede global, com uma parcela considerável destinada ao mercado brasileiro — a empresa não informa os dados específicos de cada mercado.

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Em outubro de 2024, a companhia inaugurou em Paulínia (SP) seu primeiro Centro de Tecnologia e Engenharia de Produtos na América Latina. A estruturação da unidade, que tem como objetivo tropicalizar as soluções da empresa para os mercados brasileiro e latino-americano, consumiu um investimento de R$ 65 milhões.

Pesquisa pública

Os investimentos das multinacionais do setor ajudam o agro brasileiro a avançar, mas a pesquisadora Karine Borri, do Cepea, observa que ainda é o setor público, via órgãos e instituições como a Embrapa, o responsável pela maior fatia dos aportes em pesquisa, desenvolvimento e inovação no agro. Nesse momento de incertezas comerciais e geopolíticas, esse quadro pode representar um certo alívio ao setor.

— Diferentemente de países em que o investimento privado em pesquisa agrícola é mais robusto, como os EUA, o Brasil mantém essa dependência da pesquisa pública. Isso cria uma estabilidade nos investimentos em inovação, uma vez que as decisões orçamentárias governamentais tendem a ser menos sensíveis às flutuações de curto prazo do mercado internacional do que as decisões de empresas privadas.

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Mas os recursos são escassos. O orçamento deste ano da Embrapa, estatal federal de pesquisa agropecuária, é de R$ 4,7 bilhões, apenas R$ 335,1 milhões, pouco mais de 7% do total, são para aplicação no custeio das pesquisas. Salários consomem R$ 4 bilhões.

Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja, lembra que os investimentos brasileiros em inovação não chegam a 1% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, enquanto China, EUA e Europa investem mais de 3% do PIB.

—Para um país que depende do agronegócio, o Brasil investe pouco em ciência para o setor. Temos jovens brilhantes nas nossas universidades que se formam e não têm dinheiro para montar uma startup.

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O programa Nova Indústria Brasil (NIB), do governo federal, prevê o aporte, de 2024 a 2029, de R$ 546,6 bilhões em recursos públicos e privados para desenvolver cadeias agroindustriais sustentáveis e digitais para a segurança alimentar, nutricional e energética.

Entre as metas está elevar o crescimento do PIB Renda Agroindústria para 3% ao ano, em 2026, e para 6% ao ano em 2033 (o indicador subiu, em média, 1,75% ao ano de 2019 a 2023), e aumentar a mecanização e o uso de tecnologia pela agricultura familiar para 35% e 66%, respectivamente, em 2033. Há dois anos, os índices eram de 25% e 35%, nessa ordem.