COP30 chega ao penúltimo dia sem nova proposta de roteiro para reduzir combustíveis fósseis

 

Fonte:


Na manhã do penúltimo dia de COP30, o tema dominante nas rodas de conversas entre observadores e ativistas era, ainda, o discurso do presidente Lula no dia anterior. A grande indagação é que tipo de menção aos combustíveis fósseis, os grandes vilões da crise do clima, o presidente do Brasil estaria apoiando no texto final da conferência.

A menção que Lula faz a um "mapa do caminho" para "diminuir a emissão de gases do efeito-estufa" foi bem acolhida pelo grupo de mais de 80 países que declararam ontem apoio público à medida, mas nas entrelinhas da fala do presidente também havia a mensagem de que ele gostaria de tratar desse assunto "sem impor nada a ninguém, sem determinar prazo".

A menção a combustíveis fósseis que já existe no esboço inicial do texto é considerada fraca pelo bloco de apoio que se formou, por não implicar um comprometimento maior dos países na "transição para longe dos combustíveis fósseis", expressão já acordada entre os membros do Acordo de Paris dois anos atrás.

Seria apenas essa declaração que Lula estaria endossando? Ou o presidente da COP30, André Corrêa do Lago, teria uma versão de um texto mais forte para tentar articular nas 48 horas finais da COP30?

Quando o primeiro esboço de texto foi divulgado, houve um esforço por parte de órgãos de comunicação de governo para convencer a imprensa de que o "mapa do caminho" já estava contemplado no esboço inicial de decisão, chamado "Mutirão Global".

No entanto, O GLOBO apurou que André Corrêa do Lago tem dito a observadores que a inclusão de uma agenda mais concreta de mapa do caminho está ainda "muito difícil". Por isso, nas conversar de corredores, debate-se o que Lula pretende arrancar como ganho político da COP30 e se o presidente já tem uma desculpa pronta para o caso de o "mapa do caminho" não decolar.

Segundo alguns analistas, está montada a cama para acomodar o discurso de "tentamos, mas os outros países não quiseram". Lideranças ambientalistas na COP30 seguem cobrando que a intervenção política do presidente do Brasil resulte em algo mais concreto. O tom de felicidade de Lula ontem pareceu fora de lugar para alguns deles.

— A gente precisa ver esse otimismo todo que o presidente Lula manifestou na sua fala de ontem no texto final dessa COP — disse a jornalistas Carolina Pasquali, diretora-executiva do Greenpeace no Brasil. — A gente precisa de um texto que traga os mapas do caminho, os planos de ação concretos e detalhados de como é que a gente segue em frente na transição para longe dos combustíveis fósseis e para chegar no desmatamento zero até 2030.

Alguns analistas acreditam que os principais interlocutores do discurso de Lula de ontem eram os países do Brics, grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China, além de outros emergentes. São grandes produtores e consumidores de petróleo, carvão ou gás - o Brasil é forte produtor de petróleo, porém tem sua matriz elétrica majoritariamente limpa.

A Arábia Saudita, uma das maiores exportadoras de petróleo, também está no Brics desde 2004, e é uma das vozes opositoras a uma menção mais enfática à redução do uso das fontes fósseis. O receio é que o peso político do Brasil seja usado, afinal, para um resultado insuficiente.

— Nós não sabemos ainda se Lula está usando um canhão para, talvez, parir um rato, porque as propostas que hoje existem na mesa são muito fracas — afirma Natalie Unterstell, presidente do think-tank Instituto Talanoa. — O esboço atual (do texto) se fala apenas de um workshop, um diálogo de alto nível, ou seja, um incrementalismo que é um pouco desesperador quando a gente precisaria de fato ver um mapa de caminho mais concreto.

Em conferências passadas, houve ocasiões em que anfitriões apareciam com um texto surpresa tentando forçar um consenso de cima para baixo nos últimos dias, estratégia conhecida como "decisão de capa", mas o embaixador André Corrêa do Lago tem negado desde o início de que pretenda fazer isso.

O temor nos corredores da conferência é que, ao concentrar o foco na questão dos combustíveis fósseis, que estava fora da pauta oficial, isso atrapalhe o fechamento até mesmo das pautas de adaptação, o pacote básico que a COP30 precisa entregar para alegar que pelo menos cumpriu seu rito burocrático.

Essa frente de negociação também tem seus entraves, a maioria relacionados a financiamento das medidas de adaptação, ponto levantado pelos países menos desenvolvidos, como os africanos.