Congresso dos EUA pressiona Pentágono a entregar ordens de ataques contra embarcações no Caribe
O projeto anual de política de defesa — que deve ser aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos nos próximos dias — determina que o Pentágono forneça aos parlamentares as ordens específicas por trás dos ataques que as Forças Armadas do país vêm realizando contra embarcações em águas internacionais, além de vídeos não editados das investidas. O texto, inserido em uma legislação obrigatória que define a política de defesa e concede aumento salarial às tropas americanas, reflete o incômodo bipartidário com a falta de transparência sobre aspectos cruciais da operação.
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Há meses, os principais republicanos e democratas das comissões de segurança nacional do Congresso tentam, sem sucesso, obrigar o Departamento de Defesa a compartilhar informações essenciais sobre os ataques, que o governo do presidente Donald Trump afirma ter como alvo “narcoterroristas” que levam drogas para os EUA.
Agora, a legislação busca forçar o Pentágono a ser mais transparente. Ela reteria 25% do orçamento de viagens do secretário de Defesa, Pete Hegseth, caso ele não forneça às comissões de segurança nacional do Congresso uma cópia das ordens de execução que embasam os ataques, ou não explique como pretende facilitar futuros informes sobre a operação. O projeto também exigiria que o Departamento de Defesa entregasse ao Congresso “vídeos não editados de ataques conduzidos contra organizações terroristas designadas” no Caribe e no Pacífico Oriental.
Hegseth divulgou versões editadas dos ataques nas redes sociais, mas até agora se recusou a compartilhar os vídeos completos com parlamentares. Alguns congressistas seniores viram o vídeo do primeiro ataque, ocorrido em 2 de setembro, em uma sessão reservada na semana passada, mas não tiveram acesso às versões não editadas dos outros 21 ataques que o Pentágono realizou nos últimos três meses. O Departamento de Defesa também entregou apenas resumos das ordens de ataque, sem disponibilizar os documentos oficiais — as chamadas EXORDs — solicitados pela Câmara e pelo Senado, segundo a assessoria do senador Jack Reed, principal democrata da Comissão de Serviços Armados.
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‘Exame minucioso’
A nova exigência — e a ameaça de retenção de recursos do gabinete do secretário — expõe a crescente preocupação entre parlamentares influentes dos dois partidos quanto à falta de transparência em torno da campanha militar aberta, de duração indefinida, que já matou pelo menos 87 pessoas. Reed afirmou, em um discurso no plenário na semana passada, que a falta de disposição de Hegseth em responder a perguntas básicas sobre os ataques e fornecer documentos ao Congresso sobre as operações, como determina a lei, era preocupante.
— Isso sugere que eles sabem que essa operação, e a tortuosa justificativa jurídica que utilizam para legitimá-la, não resistem a um exame minucioso — disse, acrescentando que ele e o senador Roger Wicker, republicano que preside a Comissão de Serviços Armados do Senado, deram a Hegseth “mais do que tempo suficiente para responder de boa-fé a perguntas razoáveis”, mas que o secretário de Defesa “se recusou”.
Os dois senadores haviam alertado, em outubro, que o Pentágono estava driblando o Congresso enquanto continuava a ampliar a campanha contra supostos traficantes de drogas no mar. Eles divulgaram duas cartas enviadas a Hegseth exigindo mais informações sobre os ataques e disseram que o secretário havia deixado de responder.
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A legislação federal americana exige que o Departamento de Defesa envie as ordens de execução às comissões de Serviços Armados da Câmara e do Senado em até 15 dias após o secretário de Defesa emitir tais ordens — algo que não foi feito no caso dos ataques a embarcações. A lei também determina que, caso os principais republicanos ou democratas das comissões solicitem especificamente uma dessas ordens, o departamento terá 30 dias para cumprir — outro prazo que o governo Trump ignorou.
Forte escrutínio
As novas exigências foram adicionadas durante as negociações finais para conciliar as versões aprovadas pelas duas Casas do projeto de política de defesa, de cerca de US$ 900 bilhões. A expectativa é de que a Câmara o aprove esta semana. O Senado deve votá-lo na próxima semana, enviando-o ao gabinete do presidente. O projeto determina que os vídeos e outros documentos sejam enviados às comissões de Serviços Armados da Câmara e do Senado, o que significa que não serão divulgados ao público — a menos que sejam posteriormente liberados.
Mas crescem entre democratas os pedidos para que o vídeo do ataque de 2 de setembro seja público. O ataque, que marcou o início das investidas do governo contra traficantes no mar, passou a ser alvo de forte escrutínio em parte por causa de uma segunda ofensiva que matou dois sobreviventes. Embora Trump tenha afirmado que não teria “nenhum problema” em divulgar o vídeo, Hegseth sinalizou no fim de semana que não pretende torná-lo público.
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O principal democrata da Comissão de Serviços Armados da Câmara, o deputado Adam Smith, de Washington — que assistiu às imagens na semana passada em uma sessão confidencial — declarou ao programa “This Week”, da ABC, no domingo:
— Parece bastante claro que eles não querem divulgar esse vídeo porque não querem que as pessoas o vejam, porque é muito, muito difícil de justificar.
