Com obras ainda em andamento, Belém se prepara para testar infraestrutura na COP30, que consumiu R$ 4 bilhões
Na saída do aeroporto, táxis e carros por aplicativo se multiplicam. Nas principais avenidas da região central da cidade, ônibus especiais, em intervalos de cinco minutos nos horários mais movimentados, posicionam-se para levar visitantes credenciados até a sede da COP30. Os novos parques, seja como espaço oficial do evento ou como área de lazer para a população, e até os transatlânticos, viraram atrativos locais. Já o esgoto a céu aberto, mesmo em ruas da área nobre, mostra que Belém (PA) não virou uma cidade de primeiro mundo da noite para o dia. Porém, os mais de R$ 4 bilhões investidos em obras garantiram, ao menos nos dias da cúpula de líderes, uma logística bem-sucedida após meses de receio geral sobre infraestrutura e crise devido aos altos preços de hospedagem.
Na quinta e na sexta-feira, foi decretado feriado municipal, a fim de desafogar o trânsito. A situação favoreceu a logística, que a partir de amanhã, quando começa oficialmente a COP30, será mais uma vez colocada à prova. A expectativa é que cerca de 50 mil pessoas cheguem à cidade.
Em alguns pontos, o cenário de canteiro de obras se mantém. Neste sábado, por exemplo, o governo estadual inaugurou mais uma obra: a macrodrenagem do canal União, no bairro do Marco.
Ao todo, foram mais de 30 obras. A administração de Helder Barbalho (MDB) informou que os investimentos para a COP chegaram a R$ 4,5 bilhões, somando tesouro estadual, BNDES, Caixa Econômica e parceria com a Itaipu Nacional. Já a União cita um valor, de sua parte, de R$ 4,2 bilhões, mas também considerando os recursos do BNDES. Procuradas, as partes não souberam esclarecer o valor total, evitando repetições. A prefeitura investiu R$ 63,5 milhões.
Otimismo da população
Desde o anúncio da sede, autoridades defendem que as obras na cidade serão um legado para a população, com destaque para o Parque da Cidade, onde acontecerão as reuniões da COP, a macrodrenagem de 13 canais, as reformas do Porto de Outeiro e Mercado de São Brás e a implantação do novo BRT.
No caminho, não faltaram turbulências. Além de críticas sobre alguns gastos e suposta ausência de projetos para a periferia, a crise da oferta e preços de hospedagem, que assustou comitivas internacionais nos últimos meses, evidenciou problemas de gestão e gerou, inclusive, pedidos pela troca de sede da COP30.
Porto de Outeiro: transatlântico é um dos dois contratados para acomodar parte das delegações da COP30, diante da crise de hospedagem que antecedeu evento
Lucas Altino/Agência O Globo
Mas, chegada a conferência, a maioria dos moradores ouvidos pela reportagem diz que as obras melhoraram a cidade. Entre participantes da cúpula de líderes, a impressão inicial foi positiva.
Kaline Lima, motorista de aplicativo, mantém expectativa positiva de um legado para a cidade. Apesar de se dizer cética quanto a soluções climáticas, ela afirma que a recuperação de galpões abandonados, transformados no Porto Futuro II, foi bem-vinda para a população, e as reformas do aeroporto e do Porto de Outeiro serão essenciais para manter o turismo aquecido.
Já os Parques Lineares ela destaca que, apesar de positivos, serviram mais para “esconder o esgoto”. Em Belém, mesmo nos bairros mais ricos, é normal ver o despejo correndo a céu aberto.
Durante o encontro de chefes de Estado, a motorista elogiou o esquema de trânsito.
— Está melhor que o normal, o feriado funcionou. Muita gente viajou para praias próximas — disse Kaline.
Cofundador do Observatório das Baixadas, ONG ambiental que foca nas periferias, Andrew Leal disse que as vias centrais ficaram de fato desafogadas com o esquema desenhado, em que algumas avenidas eram bloqueadas para passagem exclusiva de ônibus da COP. Por outro lado, ele cita que algumas regiões da periferia ficaram sobrecarregadas e com trânsito.
Esta semana não será feriado, mas haverá ponto facultativo para o funcionalismo público e férias escolares. Assim, o governo acredita que o trânsito continuará bom.
Para Leal, as obras na cidade foram positivas, apesar de sua queixa sobre a concentração dos investimentos na região central.
— O movimento está grande nos locais inaugurados, vai impulsionar de fato a economia turística. Já as obras para o problema de saneamento e as inundações vão ajudar, mas não resolvem totalmente, até porque precisaria remodelar toda infraestrutura da bacia. Essa semana choveu e inundou algumas regiões da cidade.
Para amenizar o forte calor, de quase 40ºC nos últimos dias, pontos de hidratação foram distribuídos nos pontos mais movimentados da cidade. A Águas do Pará instalou 13 pontos, que garantem água até para pets, no Parque da Cidade, Estação das Docas, Nova Doca, Mangal das Garças e Parque do Utinga. Já a Companhia de Saneamento do Pará instalou no Parque Estadual do Utinga Camillo Vianna, Porto Futuro e na Green Zone da COP30.
Durante a conferência, parte das delegações internacionais precisará apenas atravessar a rua para acessar a área oficial do evento. São os hóspedes da Vila COP, área de 19 mil metros quadrados, com cinco blocos que somam 405 suítes, 37 presidenciais, inaugurada às vésperas do evento. A partir do ano que vem, o espaço, que custou cerca de R$ 200 milhões, será convertido em um centro de administração estadual.
Por motivos de segurança, a Vila não pode receber visitantes nem imprensa nessa semana. Mas, na última quinta-feira, O GLOBO acessou o lobby de recepção, onde uma cafeteria de uma tradicional rede argentina atraía os hóspedes. A Vila ainda conta com escritórios, salas de reunião, academia, quiosques de artesanato e souvenirs. Os quartos estão sendo usados principalmente por delegados internacionais, responsáveis pelas negociações durante a COP. Poucos são os chefes de Estado. Entre os nomes mais conhecidos da lista, está o da ex-presidente Dilma Roussef, que hoje comanda o Banco dos Brics.
Hospedagem no porto
Outra solução pensada para a hospedagem foi a contratação de dois transatlânticos, que somam seis mil leitos, atracados no Porto de Outeiro. Lá, ficará boa parte da delegação brasileira, além de algumas comitivas internacionais, como a da Itália e da própria ONU.
Gabriela Lima, gerente de projetos da Secretaria Extraordinária para a COP30, responsável pela operação do Porto de Outeiro, explica que as cabines variam de perfil, e chegam até ao luxo de 5 estrelas. A operação de logística, ela diz, é rápida:
— O hóspede sai de sua cabine, pega uma van e em quatro minutos está no receptivo, onde pega um ônibus até a Blue Zone.
O trajeto do Porto ao local da COP dura cerca de 40 minutos, quase meia hora a menos do que durava antes da inauguração da nova ponte do outeiro, feita para o evento. Além disso, o próprio porto foi reformado, em uma obra de R$ 233 milhões, para possibilitar a atracação de mais navios: de um para cinco.
Jardel Silva, diretor presidente da Companhia Docas do Pará, afirma que o novo Porto abre um novo horizonte de turismo para a cidade.
— Cada navio que atraca aqui é uma fábrica de emprego, oportunidade, renda. Fora que além das operações de turismo, a gente vai poder seguir com novas operações de carga — celebra.
Caetano Scannavino, integrante do Observatório do Clima e morador do Pará, diz que os percalços eram previstos e aposta que o evento será bem-sucedido.
— É uma cidade que ainda está em obras. Mas Belém se preparou, a população se preparou e o povo aqui tem o orgulho de hospedar a COP.
