Com indígenas, riberinhos e até palestinos, barqueata dá início a Cúpula dos Povos; veja fotos

 

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Foram quatro horas, aproximadamente 200 barcos e um punhado de palavras de ordem na barqueata que inundou de bandeiras a Baía de Guajará, em Belém do Pará, no terceiro dia de COP30. Centenas de pessoas participaram do ato na manhã desta quarta-feira, que marca o início simbólico da Cúpula dos Povos, evento paralelo que reúne indígenas, ribeirinhos, ativistas dos movimentos sociais e toda a sorte de gente vinda de todos os cantos. Até representantes da Palestina estiveram presentes.

A barqueta teve início às 8h e terminou por volta do meio-dia. A abertura oficial da Cúpula dos Povos será na tarde de hoje, na Universidade Federal do Pará (UFPA), e se estenderá até dia 16. Nela, aqueles que não têm voz materializam a vontade de se fazer ouvidos no grito.

— Trouxemos pautas que estamos vivenciando nos territórios, de empreendimentos do chamado Arco Norte para facilitar o escoamento da soja desde 2000, e lá se vão 25 anos que a gente perdeu uma das praias mais bonitas da cidade. Isso sem consulta aos povos. Inclusive (as empresas) não estão operando de forma correta e isto tem se expandido por toda a Bacia do Tapajós — disse Vivi Borari, do povo Borari, que fica em Alter do Chão (PA), à direita do Rio Tapajós.

Em uma das embarcações da barqueata, participantes dizem não ao projeto do Ferrogrão

Bruno Calixto

Ela se queixa que há hidrovias, hidrelétricas, duplicação de BRs e portos e que são os indígens que sofrem o impacto. As mineradoras também foram alvo de reclamações

— Estamos aqui contra uma mineradora de potássio em nosso território. Hoje não existe nenhuma legislação que autorize mineração em terra indígena. E também tem o agronegócio que se expandiu pela BR-163 para escoar grãos — relatou o professor William Mura, do grupo indígena do Amazonas e de Rondônia.

Mineraração e ferrovias no alvo

Atualmente, eles travam uma forte luta contra a instalação de uma mineradora em seus territórios, buscando a demarcação e proteção de suas terras, assim como a garantia de seus direitos constitucionais.

Por questão de segurança, as embarcações não trafegaram próximas umas das outras mantendo um distanciamento seguro. A Marinha do Brasil via Capitania dos Portos acompanhou a manifestação, que correu sem ocorrências.

Hidrovias e dragagens, Ferrogrão, agroecologia, demarcação de terras e regulação europeia da soja. Tudo foi pauta numa manhã solar em que o maior brilho foi das cores impressas nas faixas que se amontoaram nas embarcações, com palavras de ordem como “Amazônia protegida”, “A soja passa, a destruição fica” e “Sem justiça climática e educacional, não há COP que salve o planeta”. É uma amostra da união de indígenas, ribeirinhos, caboclos e quilombolas juntos pela vida.

Indígenas querem que a demarcação de terras entrem nas políticas climáticas

Bruno Calixto

Do Rio de Janeiro, Isabelle Miranda, diretora nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração, trouxe pautas caras ao estado do Pará.

— A gente tem a maior mineradora a céu aberto do mundo que tem afetado diretamente os povos indígenas, os quilombolas, os ribeirinhos, os povos tradicionais, com contaminações do solo, do ar, da água. E para a gente não existe discussão climática se a gente não inserir esses povos.

A infraestrutura de transporte — que atravessa tantas vidas ribeirinhas — também foi alvo de críticas na barqueata.

— Historicamente, os corredores de transportes que começaram nos anos 1969 durante a ocupação da Amazônia gera conflitos socioambientais porque o modelo não respeita a vida dos povos tradicionais. Os Panara quase morreram quando da construção da BR-163 (Cuiabá-Santarém) que passa dentro do território indígena e sem consulta — diz Brent Millikan, da GT Infra e Justiça Socioambiental.

Presença de manifestantes palestinos

Alguns dos participantes da barqueata se juntaram a manifestantes que protestaram na noite desta terça-feira na porta da Blue Zone (Zona Azul), área da COP30 onde ocorrem as negociações entre os países. Eles pediam “a taxação dos mais ricos para financiar a justiça climática”, explicou um manifestante.

— A Cúpula dos Povos é autônoma à COP 30, para demonstrar que a voz do povo também tem poder na mesa de negociações. Para isso, vamos entregar uma carta ao presidente da COP30 com as demandas decididas em plenária — acrescentou Pedro Charbel, coordenador da Aliança Chega de Soja e militante do Movimento dos Trabalhadores sem Teto (MTST).

A Cúpula dos Povos tem representantes ainda do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), como Viviane Vasconcelos, de Santarém (PA). Ela diz não ao Ferrogrão e à ferrovia no Tapajós.

— Pela existência dos povos ribeirinhos, já estamos há quase uma semana fora de casa para colocar a nossa permanência na mesa da COP30.

Frei João Paulo, da Rede Franciscana de para Migrantes (JPIC) veio de São Paulo para dizer não ao desmatamento. E até um grupo de palestinos pedindo paz na Faixa de Gaza — onde os danos ambientais são catastróficos — se juntou ao Movimento dos Trabalhadores sem Direitos.

— Lembrar da ocupação israelense, as restrições de soberania e a escassez de recursos — enumerou suas demandas uma manifestante palestina.

Indígenas na barqueta

Bruno Calixto

Mais de 2,5 mil indígenas em Belém

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) estima mais de 2,5 mil indígenas na cidade, entre outras lideranças, cobrando maior representatividade nas negociações e a inclusão da demarcação de terras como política climática.

Mais de 300 representantes dos povos Kayapó, Panará, Tupinambá, Arapiuns, Munduruku, Borari, Mura e outras etnias do Cerrado e da Amazônia, além de agricultores familiares, quilombolas e comunicadores populares, chegaram a Belém numa embarcação chamada Caravana da Resposta, partindo do Baixo Tapajós, região marcada por portos e hidrovias.

Ali o clima foi de carimbó com o grupo Os Encantados e povos de diferentes origens dançando juntos enquanto empunhavam suas bandeiras.

A “lotada” foi provocada pela Aliança Chega de Soja, uma articulação que reúne mais de 40 organizações e povos da Amazônia e do Cerrado, entre eles Amazon Watch, GT Infraestrutura e Justiça Socioambiental, Instituto Kabu, Instituto Raoni, Movimento Tapajós Vivo e Movimento das Mulheres Munduruku.

— A mobilização nasceu da ampliação da campanha Ferrogrão Não, que denuncia os impactos da ferrovia EF-170 e das hidrovias do Arco Norte. A iniciativa propõe uma nova visão de infraestrutura, centrada nas pessoas, nos territórios e na natureza, e não nos lucros corporativos — afirma Pedro Charbel, de punhos cerrados em favor da voz dos povos.