Cidades se movimentam por soluções ambientais com ajuda de programa do governo federal

 

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Enchentes, ondas de calor, chuvas muito além do esperado, deslizamentos de terra. As mudanças do clima há muito deixaram de ser um tema distante da realidade das populações. Na ponta, cidades encaram com cada vez mais frequência os impactos de eventos climáticos extremos, que desafiam governos a se adaptar. No Brasil, 2.807 municípios, mais da metade das cidades do país, já estão em situação de alta ou muito alta vulnerabilidade climática, segundo a plataforma Adapta Brasil, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

Os riscos se traduzem nos números do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Desde 2011, quando o órgão foi criado, quase 30 mil alertas foram emitidos e 14 mil ocorrências registradas (os casos passaram a ser contabilizados em 2016). O recorde foi em 2024, com 3,6 mil alertas, metade deles de deslizamentos de terra. Já as ocorrências alcançaram 1,7 mil registros, o terceiro maior nível da série histórica. Quase 70% dos casos foram de origem hidrológica, como enchentes e inundações.

Uma iniciativa do governo federal tenta coordenar projetos para mitigar impactos e adaptar as cidades para enfrentar as mudanças no clima. Em articulação do Ministério de Meio Ambiente (MMA) e do MCTI com bancos de fomento e entidades da sociedade civil, o Programa Cidades Verdes Resilientes (PCVR) tem o objetivo de criar uma espécie de “federalismo climático”, fazendo a ponte entre os governos e recursos técnicos e orçamentários para desenvolver e tirar soluções do papel. É o que prevê Adalberto Maluf, secretário de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA:

— A ideia é coordenar esforços e integrar políticas urbanas, climáticas e de inovação para ajudar as cidades e estados a saber o que eles têm que fazer para aumentar a resiliência.

Maluf explica que a iniciativa tem três frentes. A primeira delas é uma lista de 50 cidades-modelo que estão recebendo auxílio técnico para identificar vulnerabilidades climáticas e elaborar dois projetos: um de mitigação e outro de adaptação. Os recursos para essas iniciativas vêm de organizações privadas como a Fundação Bloomberg, Google, IBM e C40, rede global que reúne 96 municípios com o compromisso de combater mudanças climáticas.

Iniciativas baseadas na natureza

Além da falta de coordenação técnica, o orçamento é um dos grandes entraves para a maioria dos municípios. Por isso, o governo federal aportou R$ 27,5 milhões em áreas periféricas de 11 cidades. A ideia é fomentar a elaboração comunitária de soluções baseadas na natureza (SBNs), projetos que usam elementos naturais para resolver problemas ambientais e urbanos, como corredores verdes e jardins de chuva.

Há ainda uma articulação do MMA para acesso de cidades a financiamentos com taxas de juros mais baixas e carência de pagamento junto ao BNDES, no escopo do Fundo Clima.

O PCVR ainda inclui um banco de projetos com 323 planos inscritos por prefeituras, a maior parte sobre áreas verdes, uso e ocupação do solo, gestão de resíduos e mobilidade sustentável. Os projetos estão orçados em R$ 15 bilhões.

— Trabalhamos com deputados e senadores para a destinação de emendas parlamentares para esses projetos. As cidades que mais precisam investir em adaptação são as que têm as piores capacidades de pagamento — prevê Maluf.

As metas do programa incluem a previsão de 35% dos municípios com capacidade adaptativa até 2035, 57% das pessoas vivendo em ruas com pelo menos três árvores, e 17,5% das cidades com registro e implementação de SBNs.

Tornar as cidades mais resilientes será tema de um dos pavilhões de discussão da COP30. Com coordenação do Instituto Bem Ambiental (Ibam), o espaço deve reunir municípios, universidades, organismos internacionais e empresas.

— O objetivo é ser um hub das discussões. O foco da agenda climática tem sido a redução de gases do efeito estufa e transição energética, mas pouco se fala sobre a urgência de adaptar os nossos territórios — observa Sérgio Myssior, presidente do Ibam.

Caxias do Sul (RS): foco em recuperar regiões degradadas

Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, investe na produção de mudas

Divulgação

Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, é um dos “municípios modelo” do PCVR. A cidade foi escolhida para integrar a iniciativa por sua localização e situação de vulnerabilidade frente às mudanças climáticas. O quadro é sensível: a população enfrenta períodos de estiagem, com impactos na produção agrícola, mas, em outro extremo, o maior temor fica com as chuvas em excesso e os riscos de deslizamentos.

Um relatório do Centro de Apoio Científico em Desastres (Cenacid) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostrou que, durante a tragédia das chuvas que assolou o Rio Grande do Sul em maio de 2024, a pluviosidade no município foi superior a 800mm em 14 dias, com mais de 180mm só no dia 1º de maio, quando ocorreram os principais deslizamentos de terra.

Em outra análise, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) mapeou na cidade 656 sinais de movimentos de massas gravitacionais, nome técnico para os deslizamentos de rocha, solo, sedimentos e vegetação encosta abaixo. O município registrou o maior número de deslizamentos naquele período de grandes temporais no estado. Nove pessoas morreram.

— Ao passarmos por esta situação, ficaram ainda mais claras a necessidade e a urgência de trabalharmos em políticas públicas de mitigação e adaptação, além da necessidade de melhorar as respostas a emergências climáticas — afirma Morgana Rech, diretora de Sustentabilidade e Mudanças Climáticas de Caxias do Sul.

No escopo do programa, a cidade implementou um projeto de recuperação de áreas degradadas. A iniciativa acontece a partir da coleta de sementes de matrizes de árvores georreferenciadas para a produção de mudas no Jardim Botânico municipal que serão usadas no replantio.

— Em um contexto de mudanças climáticas, a conservação de espécies locais, dando ênfase a espécies raras, endêmicas e ameaçadas de extinção, é crucial para termos uma cidade verdadeiramente verde e resiliente — defende.

A gestão de Caxias do Sul submeteu ao PCVR outros projetos que ainda precisam de recursos para serem executados. Um deles é focado no monitoramento (especialmente de pluviosidade) e sistemas de alerta para minimizar riscos e danos com eventos extremos. Outro prevê melhorias na cadeia de coleta e reciclagem de resíduos sólidos, com apoio a startups e a associações de reciclagem do município.

Sobral (CE): jardins para captar e drenar as águas das chuvas

Programa de ecobarreiras em Sobral (CE) aposta na construção de biovaletas e jardins de chuva

Divulgação/Prefeitura de Sobral

Em pleno semiárido cearense, entre a serra e o sertão, a cidade de Sobral tem enfrentado o aumento da frequência e intensidade das chuvas. Os temporais causam alagamentos e inundações, com impactos principalmente nos bairros mais vulneráveis, por causa da expansão desordenada, impermeabilização do solo e ocupação de margens de rios e córregos.

Como resposta, o município desenvolveu um plano para tornar a cidade mais resiliente, e foi incluída no guarda-chuva do PCVR, com o objetivo de conseguir assistência técnica e financiamento para colocar as soluções em prática.

A ideia é reconectar a área de proteção ambiental da Serra da Meruoca ao Rio Acaraú no que chamam de Sistema de Infraestrutura Verde e Azul (IVA). O projeto prevê um sistema interligado para renaturalização de parques e margens de açudes e riachos.

O programa ainda inclui o uso de soluções baseadas na natureza, como a construção de biovaletas e jardins de chuva, canteiros que captam e drenam a água da chuva de forma natural, ou os canteiros pluviais, estruturas similares, mas feitas nas ruas e calçadas. E há ainda as ecobarreiras, que impedem que o lixo vá parar nos rios.

Sobral já tem um histórico de projetos baseados na natureza. Caso dos Jardins Filtrantes do Riacho Pajeú, que usam plantas aquáticas, pedra e areia para o tratamento de esgoto sem produtos químicos. Outro são os Corredores Verdes, que conectam praças e parques com o plantio de árvores em vias públicas, criando corredores de vegetação para melhorar a qualidade do ar, a sensação térmica, a biodiversidade e o bem-estar da população.

Secretária do Urbanismo, Habitação e Meio Ambiente de Sobral, Evysdanna Gomes de Paula explica que o IVA é também integrado à política habitacional da cidade, por meio da requalificação de áreas de Habitação de Interesse Social (HIS) e da garantia de moradias seguras e acessíveis em zonas antes sujeitas a alagamentos.

— Esperamos que, com o programa, ocorra a redução de alagamentos, a melhoria da qualidade das águas urbanas, a mitigação das ilhas de calor e a promoção da mobilidade ativa, e junto com isso a geração de benefícios sociais como saúde, lazer, valorização urbana e inclusão territorial.

Abaetetuba (PA): esforço para a ampliação de áreas verdes

A 125 quilômetros de Belém, Abaetetuba tenta enfrentar desafios climáticos múltiplos e interconectados. Rios e igarapés sofrem com o assoreamento e a degradação, o que comprometem a capacidade os cursos d’água de drenar chuvas e aumentam os registros de alagamentos e inundações, cada vez mais recorrentes.

Os problemas não param aí. Há ainda frequentes deslizamentos de encostas e erosão em áreas de ocupação irregular e margens de rios. Além disso, o aumento das temperaturas médias e o calor excessivo prejudicam a produção rural, o bem-estar e a saúde da população.

O cenário, portanto, exige ações preventivas de contenção, drenagem e revegetação. Para isso, a cidade entrou na lista do PCVR, em busca de recursos técnicos para tirar os projetos do papel.

No âmbito do programa coordenado pelo governo federal, a cidade prevê ações em diferentes eixos. Ao todo, estão previstos investimentos de cerca de R$ 6 milhões até 2029.

Secretário de Meio Ambiente de Abaetetuba, Raphael Sereni explica que uma das frentes é focada na ampliação de áreas verdes, com a implantação de parques ecológicos:

— A construção desses espaços atende tanto a necessidade de áreas sustentáveis de lazer, quanto para recuperação ambiental urbana — explica Sereni.

Outra frente é a de manutenção de canais, rios, igarapés e mananciais para aprimorar o manejo hídrico e a drenagem natural, prevenindo alagamentos.

Há ainda iniciativas previstas para o manejo adequado de resíduos sólidos, o monitoramento de riscos geotécnicos e a implantação de políticas de regularização do solo.

— Essas ações articuladas buscam reduzir vulnerabilidades, preservar os ecossistemas e promover a segurança e qualidade de vida da população — defende o secretário de Abaetetuba. — A meta primordial é estabelecer um padrão de progresso urbano que preze pelos espaços verdes na cidade, diminua a produção de gases do efeito estufa e assegure tratamento igualitário em relação ao clima para os moradores mais expostos, sobretudo os que vivem nas margens dos rios e nas áreas afastadas.