Cidades do Futuro: ‘Uma hora o impacto chega. Por isso, precisamos agir’, diz prefeito de Barcarena (PA)

 

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De um lado, produtores locais de alimento. Do outro, estudantes, famílias e pacientes atendidos pelas redes municipais de Educação, Assistência Social e Saúde. Um projeto que conecta esses dois universos, conciliando atendimento à população e agricultura familiar — preservando a cobertura florestal no caminho —, colocou Barcarena, no Pará, no radar do Local Leaders Climate Awards 2025. Esse e outros finalistas do prêmio que será entregue em cerimônia no Rio no dia 4 de novembro, durante evento que antecede a COP30, em Belém, inspiram a série de entrevistas “Cidades do futuro”, que agora ouve Renato Ogawa (PP), prefeito do município paraense.

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Renato Ogawa, prefeito de Barcarena (PA)

Divulgação

Como surgiu o Sistema Alimentar de Barcarena?

Assumi em 2021, quando o município enfrentava a pandemia, e logo encaramos dificuldades. Tínhamos 25 mil alunos, cerca de 20% da nossa população, nas escolas, e o isolamento fez com que eles ficassem em casa, sem a alimentação diária oferecida na merenda. Para alguns, foi tirada a principal refeição do dia. Por conta disso, começamos todo um trabalho para garantir que a alimentação pudesse chegar na casa das pessoas.

Mas como a sustentabilidade entrou em pauta?

Percebemos que a administração municipal previa a aquisição de muitos alimentos ultraprocessados, sem valor nutritivo para aquelas crianças. Sabíamos que, para fazer chegar nas mesas a comida de qualidade, teríamos também que trabalhar para produzir esse alimento saudável. Optamos por investir na agricultura por meio de fundos. A estratégia principal foi um programa de aquisição de alimentos para que o produtor plante e que garanta o escoamento e transporte, além de assegurar a venda do produto com o pagamento do financiamento. Depois, além das escolas, criamos cestas alimentares para famílias atendidas pelos programas da Assistência Social e mudamos o cardápio hospitalar.

Como o projeto é financiado?

Com recursos próprios do município. Para garantirmos a alimentação de qualidade nas escolas, a verba repassada pelo governo federal custeia só 35% do que é servido aos alunos do município. O restante vem dos cofres de Barcarena. A alimentação saudável custa mais do que os produtos industrializados antes servidos, mas o ganho de qualidade é muito grande.

Quais impactos na vida da população já foram detectados?

Posso garantir que os hábitos alimentares nas escolas já mudaram. Observamos agora a consciência da garotada em ter que comer legumes, por exemplo. Também é notável que pessoas em vulnerabilidade se encantam muito mais com uma cesta de alimentos produzida pela agricultura familiar do município do que com produtos adquiridos nos mercados tradicionais.

Para além disso, como a gestão age para frear os impactos das mudanças climáticas na vida dos moradores?

Temos trabalhado na questão do tratamento de resíduos, para que sejam reciclados e destinados de forma correta e não acabem jogados em nossos rios e igarapés, chegando, por consequência, aos oceanos. Fomos reconhecidos pela ONU como um HUB de resiliência pelo nosso trabalho na sustentabilidade, sendo a única cidade do Pará nesse posto. Também construímos usinas solares que dão cobertura de energia para 89 escolas e fazemos um trabalho de recuperação das encostas impactadas pelo avanço dos níveis de marés. A gestão entende que, no final, tudo influencia a questão climática, e uma hora o impacto vai chegar até nós. Por isso, é importante agirmos.

A agricultura de baixo impacto é uma prioridade?

É algo que nem discutimos mais no município. Aquele pensamento de desmatar de qualquer jeito ou de adotar queimadas não existe mais em Barcarena. A gente não usa mais essas técnicas de produção. Optamos por meios realmente sustentáveis, como trabalhar com um manejo de rotação de culturas para que o solo seja preservado. Há uma preocupação com fiscalização por parte das secretarias de Agricultura e de Meio Ambiente. Ocorre um monitoramento diário em rodas as áreas da cidade, que também conta com a ajuda do Ibama. Quando há qualquer suspeita de desmatamento ou uso inadequado de uma área, logo somos acionados e agimos. Hoje, a população não aceita fumaça e, quando vê, logo denuncia.

Houve momentos de tensionamento com outras esferas do poder público no campo ambiental?

Temos hoje um alinhamento muito grande com o governo estadual. Em nível federal, a gestão Lula inclusive nos ajuda a trabalhar a questão da conservação da natureza e em nossas políticas sustentáveis. Confesso que, em 2021, quando assumi, era um momento diferente. O tensionamento com o negacionismo era maior. Hoje, percebo que estamos todos na mesma página.

Como a iniciativa em Barcarena pode inspirar outros projetos alimentares pelo mundo?

Destaco que se deve cuidar de quem produz o alimento. Se não cuida do agricultor familiar, que põe o alimento fresco na mesa, não se irá ter uma alimentação saudável na cidade, e o governo fica refém dos grandes mercados e processados. Não podemos esquecer que vivemos em um mundo capitalista, baseado na propaganda, que induz a pensar em uma alimentação fácil e de péssima qualidade. É preciso mostrar à população a importância de se comer bem, e isso acontece por meio da educação, começando pelas escolas. São as crianças que devem levar esses hábitos alimentares para dentro da casa delas.