Aprovados em Medicina usam sucesso no Enem para vender cursos preparatórios para prova

 

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“Fui expulso da Medicina da UFRJ, mas passei novamente. Não vou me matricular”. É assim que Pedro Assaad, de 27 anos, se apresenta no principal post de seu perfil no Instagram. O rapaz — que também se diz o “melhor professor do Brasil” e o que tem “a melhor didática” — decidiu trocar a futura carreira de médico para se dedicar à criação de conteúdo e de um curso preparatório para o Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), fazendo parte de um grupo de jovens que colecionam aprovações em Medicina para venderem conteúdos educacionais.

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Os alunos de Pedro estão entre os 4,8 milhões de brasileiros que farão o segundo dia do Enem neste domingo. Eles enfrentarão as provas de Matemática e Ciências da Natureza, um dia fundamental para quem busca se tornar um médico no futuro.

Pedro foi aprovado em Medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) através da cota de escola pública sem limite de renda, em 2019. Na pandemia, ele começou a dar aulas on-line, construiu uma comunidade em torno de si e passou a ganhar dinheiro com isso. O GLOBO procurou o empresário, que topou dar entrevista, mas não respondeu às perguntas enviadas. Em um vídeo de 2024, ele conta que escolheu o preparatório on-line para ter renda mais rápido.

— Pensava assim: quero ser médico, mas meu retorno financeiro só vai começar quando terminar a faculdade. E eu queria casar logo com a minha esposa — afirmou Assaad, em seu canal. — Agora tenho dois filhos com ela e foi a melhor escolha que fiz.

Alunos reclamam que colecionadores de aprovação acabam atrapalhando o Sistema de Seleção Unificado (Sisu) porque aumentam artificialmente a nota de corte — um impacto que, na prática, é pequeno. Em seu perfil, Pedro afirma que passa todo ano em Medicina e há imagens de seus resultados acima da nota de corte em 2022 para a Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em 2024 para a UFRJ.

Com fama de arrogante — defeito que ele admite ter em um vídeo nessa semana intitulado “Eu não quero mais ser um cara arrogante e egocêntrico (decidi que vou mudar)” —, ele costuma ser visto pelos alunos como excelente professor para um curso preparatório — mesmo não tendo nenhuma licenciatura. No ano em que ele foi aprovado, a Cartilha do Participante, um documento que o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) publica com as regras para a redação do Enem, usou um texto dele como modelo de nota mil. No entanto, o rapaz acaba sendo divisivo ao adotar uma postura agressiva nas redes.

Um dia depois da primeira prova do Enem deste ano, ele respondeu um seguidor dizendo para ele “parar de baitolagem” ao se dizer uma vergonha para os pais. Em outra postagem, Pedro disse: “Em qualquer área que eu pegue para dar aula, eu faço com mais didática do que qualquer um”.

— Tem cinco anos que comecei a trabalhar na internet. Desde o início falo que sou o melhor professor do Brasil, que minha didática é a melhor. Tenho evidências disso. Mas posso ter muito mais moderação e modéstia — avaliou Pedro no vídeo “Eu não quero mais ser um cara arrogante e egocêntrico (decidi que vou mudar)”, publicado na última quinta-feira.

Atualmente, ele reúne mais de 310 mil inscritos no YouTube e é seguido por quase 235 mil pessoas no Instagram. Antes da prova deste domingo, Pedro realizou lives diárias de 12 horas cada para revisar as disciplinas. Além disso, intensificou a propaganda para as promoções da “Black Friday da aprovação 100% garantida em Medicina”, quando passou a cobrar R$ 2.497 pelo acesso à plataforma com os conteúdos.

Segundo a advogada Alynne Nunes, especialista em direito educacional, jovens que acabaram de fazer o Enem podem oferecer cursos livres como preparatórios para a prova desde que deixem claro que não são professores formados.

— Isso poderia configurar propaganda enganosa — afirma a advogada.

Dupla função

Antônio Augusto, de 22 anos, passou em sete vestibulares de Medicina em 2025, incluindo a UFRJ, a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade de Brasília (UnB) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), onde ele está cursando a graduação.

Durante sua preparação para a prova, ele estudou na plataforma de Vinícius Oliveira — que se define como “o professor que passa em Medicina todo ano”, com mais de 200 mil seguidores — e começou a trabalhar como monitor. O rapaz tomou gosto pela função e passou a criar conteúdo sobre o tema.

— Percebi o quanto isso ajudava as pessoas — diz o jovem, que está começando.

Atualmente, ele faz vídeos no YouTube e criou um ebook sobre aprovação em Medicina que envolve técnicas de ensino, rotina e outras informações. Ele custa R$ 79,90. Além disso, deve lançar uma mentoria personalizada até o ano que vem. No entanto, diz ele, quando precisar escolher entre a Medicina e os materiais para o Enem, vai seguir com a atuação na área da saúde.

— Até agora, dá para dividir. Se precisar abandonar uma das frentes, sem dúvida alguma vou seguir com a Medicina que é o que eu realmente quero fazer — diz.