Após remover quase 30 embaixadores de carreira, governo Trump planeja promover diplomatas alinhados à Casa Branca
Após a retirada de quase 30 embaixadores e outros diplomatas seniores que chefiavam missões dos Estados Unidos no exterior, o governo do presidente Donald Trump planeja promover servidores considerados leais à nova administração a postos mais altos do Departamento de Estado. As informações foram confirmadas nesta terça-feira ao jornal britânico The Guardian por fontes diplomáticas e por diplomatas atuais e aposentados.
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A decisão é considerada incomum por atingir principalmente diplomatas de carreira do Serviço Exterior americano que ocupavam cargos de chefes de missão. Tradicionalmente, esse grupo tende a ser mantido nos postos após transições de governo, justamente por atuar sob o princípio da neutralidade política. Ainda assim, o atual governo vinha sinalizando a intenção de reformular o corpo diplomático, em linha com a promessa do presidente de eliminar o que chama de “estado profundo” dentro da burocracia federal — uma estratégia criticada por opositores como uma expurgação de servidores profissionais.
Em resposta a questionamentos da imprensa, um alto funcionário do Departamento de Estado afirmou que o processo segue padrões usuais de qualquer administração. Segundo ele, os embaixadores atuam como representantes pessoais do presidente e, por isso, cabe ao chefe do Executivo assegurar que os ocupantes desses cargos promovam a agenda “America First”. O mesmo funcionário confirmou que os diplomatas chamados de volta não serão demitidos, mas realocados para outras funções.
Os planos de recall foram noticiados inicialmente pelo site Politico, enquanto uma lista parcial das remoções foi divulgada pela Associated Press. A reorganização, no entanto, não foi anunciada publicamente. Funcionários do Departamento de Estado passaram o fim de semana compilando, de forma discreta, os nomes dos diplomatas que receberam ordens de retorno a Washington. Um ex-alto funcionário ouvido pelo Guardian descreveu o processo como “aleatório”, afirmando que muitos dos afetados não receberam explicações claras sobre a decisão.
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A reação mais contundente veio da American Foreign Service Association (AFSA), sindicato que representa diplomatas dos EUA. Em nota, a entidade disse estar “profundamente preocupada” com o processo e afirmou que mudanças nos critérios de promoção estariam sendo aplicadas de forma retroativa. Para a associação, servidores que executaram políticas de administrações anteriores não deveriam ser penalizados por novas diretrizes impostas após o fato consumado.
A AFSA também cobrou esclarecimentos sobre o impacto das promoções aceleradas para alguns diplomatas em detrimento de outros que haviam sido recomendados, mas não promovidos neste ciclo. Diplomatas ouvidos relataram ao Guardian a percepção de que o sistema de promoções foi ajustado para favorecer profissionais considerados próximos ou simpáticos à atual administração, o que, segundo eles, pode levar à politização do serviço exterior americano.
A África foi a região mais atingida. Cerca de uma dúzia de embaixadores ou chefes de missão foram chamados de volta de países como Níger, Uganda, Senegal, Somália, Costa do Marfim, Maurício, Nigéria, Gabão, Congo, Burundi, Camarões e Ruanda. No Oriente Médio, houve recall de chefes de missão no Egito e na Argélia. Na Europa, foram afetadas missões na Eslováquia, Montenegro, Armênia e Macedônia do Norte.
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A movimentação também provocou críticas no Congresso. A senadora Jeanne Shaheen, principal democrata na Comissão de Relações Exteriores do Senado, destacou que os Estados Unidos já enfrentam cerca de 80 postos de embaixador vagos. Em declaração, afirmou que a retirada de diplomatas de carreira qualificados enfraquece a liderança americana e abre espaço para a influência de países como China e Rússia, tornando os EUA “menos seguros, menos fortes e menos prósperos”.
Na semana passada, o secretário de Estado americano, Marco Rubio, afirmou em entrevista coletiva de fim de ano que havia encaminhado uma nova lista com centenas de diplomatas indicados para promoção, após a administração revisar os critérios e os painéis responsáveis pelo processo. Segundo ele, as mudanças fazem parte de uma reavaliação mais ampla, que inclui o questionamento de políticas de “Diversidade, Equidade e Inclusão” adotadas em diversas agências federais.
Autoridades influentes da Casa Branca, como o vice-chefe de gabinete Stephen Miller, defendem a nomeação de aliados para cargos estratégicos no Departamento de Estado, especialmente para executar políticas ligadas ao endurecimento das regras de imigração. Para a AFSA, a promoção de diplomatas alinhados politicamente à atual administração aprofunda o risco de politização do corpo diplomático americano, historicamente estruturado para atuar de forma profissional e apartidária.
