Análise: Democracia e eleições são pontes entre gerações
Um exercício de física, um “buraco da minhoca”. O Enem deste ano conseguiu colocar na mesma página diferentes gerações. E não foi só pelo recorde simbólico de candidatos com 60 anos ou mais (17.192 pessoas, aproximadamente 0,35% do total), mas sim pela reflexão que o tema da redação exige dos concorrentes — “Perspectivas acerca do envelhecimento na sociedade brasileira”.
Os 75% de candidatos com até 20 anos viram-se obrigados a espiar o entorno e pensar o futuro, algo que lhes chega tão incerto. Foi o segmento social que mais sofreu o impacto da pandemia sobre a formação, com taxas elevadas de evasão escolar e aprofundamento das desigualdades, ou seja, uma bomba-relógio que gera, entre outros fenômenos, o crescimento da violência urbana, percepção de insegurança em diferentes esferas e precarização do trabalho.
Não à toa, os chamados protestos da Geração Z pipocam pelo mundo com pautas correlatas e que, em última análise, cobram maiores oportunidades e melhores perspectivas de vida. No Brasil, são 12% do eleitorado. Em dezembro de 2022, segundo o Datafolha, esse era o estrato que pior balanço fazia da gestão Bolsonaro (PL) e quase metade (46%) esperava de Lula (PT) um governo ótimo ou bom. O índice dos que avaliam positivamente o petista nesse segmento na última pesquisa do instituto corresponde, porém, ao mais baixo dentre as faixas etárias (19%).
A proposta do Enem, no entanto, talvez converse melhor com especial da revista “The Economist” em uma de suas edições de maio deste ano — “Não chore pelos millenials ou pela Geração Z. Guarde sua pena para quem está na casa dos 50 anos”. Os classificados X, ou “geração sanduíche” equilibram-se na economia do cuidado, arrimos tanto de pais quanto de filhos, e buscam inclusão no terreno movediço das mudanças rápidas que marcam o espírito do tempo.
Muitos desafios
No Brasil, o envelhecimento acelerado lança desafios em diversas frentes, especialmente na área da saúde e previdência. Os gargalos crônicos e a falta de especialistas no SUS, e o déficit no INSS são apenas pontas fáceis desse cenário que se avizinha agudo — a necessidade de manter-se economicamente ativo encontra barreiras no baixo grau de escolaridade, se comparado com os segmentos mais jovens, especialmente millenials.
Com a tendência, é essencial a busca por representação política. Não obrigatoriamente representatividade por espelho (o país já tem um dos parlamentos mais idosos do mundo), mas sim de representantes com visão sistêmica sobre políticas públicas adequadas à realidade de seus representados.
Segundo dados do TSE, aproximadamente metade (49%) do eleitorado brasileiro já tem 45 anos ou mais. Idade igual ou acima de 50 anos já totalizam quase 40% dos eleitores. Há três anos, a expectativa positiva em relação ao governo Lula passava de 50% nesses estratos, no entanto, diferente dos mais jovens, onde a frustração com o petista, como foi visto, é bem significativa, entre os que têm mais de 45 anos, ela ainda se mantém em patamares próximos a 40%.
A observação reflete-se sobre a intenção de voto para presidente da República em 2026. Na pergunta espontânea do Datafolha de julho, sem a apresentação do cartão com o nome dos candidatos, menções ao atual presidente entre os que têm mais de 60 anos, por exemplo, é superior em 13 pontos percentuais às observadas entre os que têm de 16 a 24 anos. Para o subconjunto de 45 a 59 anos, a diferença é de oito pontos percentuais.
Ponto de união
Os dois grupos também apresentam graus diferentes de satisfação com a democracia no país. De uma pesquisa realizada pelo mesmo instituto no ano passado, a taxa dos que se dizem muito satisfeitos entre os que têm 45 anos ou mais é superior em 10 pontos percentuais à verificada entre os mais jovens.
Mas o ponto comum entre ambos, na grande maioria dos casos, como também em todas as faixas etárias do eleitorado, é a concordância com a afirmação de que “a democracia é sempre melhor do que qualquer outra forma de governo”. E na mais simbólica de suas manifestações, uma nova “Ponte de Einstein-Rosen” deve se formar em outubro do ano que vem, onde esses segmentos se encontram mais uma vez.
*MAURO PAULINO é comentarista político, especialista em opinião pública e eleições.
*ALESSANDRO JANONI é diretor de pesquisas da consultoria Imagem Corporativa.Ambos foram diretores do Datafolha.
