Ambientalistas dizem que derrubada de vetos ao Licenciamento Ambiental põe em risco metas assumidas na COP30
Institutos e associações ambientalistas reagiram rapidamente à derrubada dos vetos presidenciais sobre a lei do Novo Licenciamento Ambiental, imposta pelo Congresso nesta quinta (27). Segundo as análises, o retorno de dispositivos como o autolicenciamento, a flexibilização da proteção da Mata Atlântica e o afastamento de indígenas nas consultas podem colocar em risco as metas assumidas pelo Brasil na COP30.
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As críticas apontam estudos que alertavam ao risco do Novo Licenciamento Ambiental, antes dos vetos, pressionar os ecossistemas nacionais rumo ao colapso. Com menores parâmetros de proteção, o desmatamento poderá aumentar, dizem os especialistas.
— Aumenta riscos de desmatamento, pressões sobre o regime de chuvas e a chance de eventos extremos como os que já estamos vendo no país. Ao tomar essa decisão, o Congresso assume responsabilidade pelas consequências sociais, ambientais e jurídicas que podem surgir, inclusive o aumento da judicialização — afirma Clarissa Pressotti, especialista em Políticas Públicas do WWF-Brasil
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) considerou a derrubada uma "derrota histórica para o brasileiro" que "abre caminho para o descontrole". O ponto mais prejudicial do texto, aponta o instituto, é desmontar a prevenção e o controle de danos ao meio ambiente, além de impedir que povos originários sejam consultados sobre obras de impacto em seus territórios.
— Precisamos ser mais eficientes com o licenciamento ambiental, mas jamais ao custo de insegurança e riscos atuais e futuros para a população. Será que os ilustres senadores não entenderam o recado que a natureza está nos dando? A COP30 deixa claro que ultrapassamos limites. Temos que repensar nossa relação com nossos rios e florestas. E não é com um PL apressado e disfuncional que seremos mais harmônicos com o meio em que vivemos — lamentou André Guimarães, diretor executivo do Ipam e enviado especial da sociedade civil para a COP30.
O Instituto Arayara disse, em nota, que a votação do Congresso fragiliza a proteção socioambiental e inviabiliza o cumprimento das metas climáticas assumidas pelo Brasil na COP30. "O Congresso virou as costas para o país, abriu a porteira e deixou a boiada passar", apontou o instituto.
Renata Prata, coordenadora de advocacy e projetos do Arayara, destacou o retorno da Licença por Adesão e Compromisso (LAC), o autolicenciamento, como um dos maiores problemas da derrubada dos vetos pelo Congresso.
— É um perigo iminente, pois atinge empreendimentos de médio potencial poluidor, como barragens de rejeitos de mineração. Com a LAC, o empresário passa a preencher apenas um formulário online para iniciar a construção de um projeto, desconsiderando a análise técnica e o risco de novas tragédias. Também sinaliza que a matéria será mais uma vez questionada no Supremo, tendo em vista que a Corte tem entendimento que empreendimentos de médio potencial poluidor não podem ser simplesmente sujeitos à LAC — afirmou.
O deputado federal Nilto Tatto (PT), presidente da Frente Ambiental na Câmara, reafirmou o posicionamento de seu grupo de que o licenciamento ambiental "não é um entrave, mas uma salvaguarda essencial à vida, à economia e à segurança jurídica".
— A derrubada dos vetos ao chamado “PL da Devastação” não apenas afronta o princípio da precaução, como compromete o cumprimento das metas climáticas que o Brasil apresentou ao mundo durante a COP30, realizada há poucos meses em Belém. É uma decisão que enfraquece a posição brasileira no cenário internacional e desrespeita o esforço de milhões de brasileiros que acreditam em um modelo de desenvolvimento justo e sustentável.
Ana Cristina Moeri, diretora-presidente do Instituto Ekos Brasil, disse que a derrubada se agrava por acontecer logo após a COP30.
— A COP trouxe avanços importantes, como o reconhecimento do papel das populações indígenas, quilombolas, afrodescendentes e comunidades locais no enfrentamento da crise climática. Por isso, é ainda mais grave a derrubada do veto que impedia a liberação de licenciamentos sem consulta à Funai e à Fundação Palmares em terras indígenas e quilombolas não homologadas.
Licenciamento Ambiental Especial ainda será apreciado
O presidente Lula havia vetado 59 itens do texto. Nesta quinta, o congresso já apreciou 52 itens e derrubou todos. Os sete itens restantes são referentes ao chamado Licenciamento Ambiental Especial (LAE), incluído no texto em emenda do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e que acelera a apreciação de projetos de "interesse nacional", como a exploração de petróleo na Margem Equatorial.
Esses dispositivos ainda serão discutidos na tramitação da Medida Provisória que criou o LAE junto com sanção do texto do novo licenciamento, que caduca na próxima semana.
— Mais uma vez, o Congresso Nacional legislou contra o bem-estar da população e os direitos socioambientais, deixando claro que o interesse coletivo é refém de setores predatórios. A votação catastrófica de hoje apenas preservou os vetos referentes ao LAE, uma jogada política de interesse pessoal do presidente do Senado. Todos os demais vetos que buscavam preservar o cerne da política ambiental nacional foram derrubados. Sem eles, a nova lei compromete as prerrogativas legislativas da União, o poder de fiscalização dos órgãos estatais, a segurança jurídica e o desenvolvimento sustentável dos projetos ambientais no Brasil — afirmou Gabriela Nepomuceno, especialista em políticas públicas do Greenpeace Brasil
O deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ), ex-ministro do Meio Ambiente, afirmou que a derrubada do veto significa deixar vulneráveis os povos indígenas.
— Esperaram passar a COP e querem passar a motosserra no licenciamento ambiental — afirmou.
Como fica o licenciamento ambiental após a derrubada dos vetos:
LAC poderá ser usada também para empreendimentos de médio impacto. Com a queda do veto, estados e municípios podem aplicar a Licença por Adesão e Compromisso a atividades de médio potencial poluidor. Na prática, mais projetos poderão passar por licenciamento simplificado e autodeclaratório.
Estados e municípios ganham liberdade para definir suas próprias regras. A derrubada do veto libera os entes federativos para estabelecer critérios locais — como porte do empreendimento, modalidades de licença e atividades que entram na LAC. Cada governo poderá flexibilizar ou endurecer o licenciamento conforme desejar.
Proteção da Mata Atlântica é afrouxada. Para ambientalistas, ao derrubar o veto, o Congresso abriu brecha para reduzir a proteção especial prevista na Lei da Mata Atlântica em casos de supressão de vegetação nativa.
Consulta a povos indígenas e quilombolas fica mais restrita. A queda do veto limita o papel da Funai e da Fundação Palmares. Povos e territórios ainda em processo de reconhecimento podem ficar fora da avaliação, reduzindo o alcance da consulta prevista na Constituição.
Produtores com CAR pendente ficam dispensados do licenciamento. Com o veto derrubado, proprietários rurais que ainda aguardam validação do CAR podem ser dispensados de pedir licenciamento ambiental. A análise prévia do cadastro deixa de ser obrigatória.
Condicionantes ambientais passam a valer só para impactos diretos. O Congresso restabeleceu a regra que impede exigir medidas compensatórias para impactos indiretos — como pressão sobre serviços públicos ou efeitos ambientais distantes do empreendimento. As compensações ficam mais limitadas.
Órgãos de Unidades de Conservação perdem poder de veto técnico. A manifestação dos gestores das UCs deixa de ser obrigatória e vinculante. Empreendimentos que afetem a unidade ou a zona de amortecimento podem avançar mesmo sem aval técnico do órgão responsável pela área protegida.
Instituições financeiras têm responsabilidade reduzida. A queda do veto enfraquece a exigência de que bancos garantam que o projeto financiado tenha licenciamento ambiental regular.
