ADPF das Favelas divide esquerda após operação no Rio
Os dias seguintes à operação mais letal da história do país, que resultou em 121 mortes na Zona Norte do Rio, deflagraram uma divisão na esquerda em relação à ADPF das Favelas, que impõe uma série de exigências ao estado para justificar incursões policiais nas comunidades. O PSB ingressou com a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019, mas agora passa por uma inflexão após movimento da direção nacional, que colocou outro advogado no processo e tenta se desvencilhar da pauta. Enquanto isso, PT, PSOL e PCdoB apresentaram um pedido, dentro da ação, em que classificam como “massacre” a operação policial.
Porto Alegre: MP denuncia publicitário por feminicídio e esquartejamento
Morte de Ruy Ferraz: Polícia de SP prende 10º suspeito, que seria integrante do PCC
Ao mesmo tempo, lideranças da esquerda, até quando são de partidos que criticam abertamente a incursão no Alemão e na Penha, têm evitado defender a ação constitucional, que foi chamada pelo governador Cláudio Castro (PL) de “maldita”. Apesar de vários nomes do campo progressista terem denunciado a quantidade de mortes nas favelas, a ADPF ficou de fora dos pronunciamentos.
No caso do PSB, a crise se deu por causa da atuação do advogado Daniel Sarmento, autor da ação em nome da legenda. Ele não é um nome avalizado pela atual direção nacional — comandada pelo prefeito do Recife, João Campos — e causou surpresa na semana passada ao se manifestar no processo sem consultar o partido. Como reação, o PSB designou o defensor Rafael Carneiro, responsável por outras ações da sigla no STF, para representá-lo na ADPF.
‘Autonomia’
A direção do partido considera que os movimentos de Sarmento são muito mais baseados na relação com movimentos sociais que participam da ação do que com a sigla em si. Também há uma preocupação com o aspecto político, já que as pesquisas têm mostrado que a maioria da população aprova esse tipo de incursão policial. Diante do gesto do PSB, Sarmento se afastou da ADPF na semana passada, apesar de a entrada de Carneiro não ter sido acompanhada oficialmente da destituição do advogado autor da ação.
Entidades de direitos humanos e movimentos sociais criticaram em nota conjunta a decisão do PSB, chamada por eles de “desrespeito e deslegitimação da luta histórica pela responsabilização do Estado nas execuções decorrentes de operações policiais” e de “retrocesso ético e político”.
Procurado pelo blog da colunista Malu Gaspar, Sarmento afirmou que tinha combinado com o partido, em 2019, de conduzir o processo com plena autonomia, já que se trata de uma ação ajuizada por demanda da sociedade civil.
— É uma ação humanitária, não de política partidária. Estávamos defendendo os direitos mais elementares das pessoas pobres do Rio — disse, ressaltando ainda que o escritório atuou no processo ao longo dos últimos seis anos sem receber nada da cúpula partidária.
Na cúpula da legenda, é considerado insustentável alguém agir em nome do partido, em um tema tão sensível, sem o consentimento da direção. Em nota, a sigla afirmou que “respeita” a postura de Sarmento ao optar por deixar o caso.
“A Executiva Nacional do Partido Socialista Brasileiro (PSB) decidiu indicar integrantes de sua coordenação jurídica para também atuarem na representação na ADPF 635. E respeita a decisão do advogado Daniel Sarmento de se afastar do caso”, disse.
Por outro lado, PT, PSOL e PCdoB fizeram uma série de pedidos no âmbito da ação e que vão no sentido de amparar as famílias dos mortos. Os partidos classificam o episódio da semana passada como um “massacre” que culminou numa das “maiores tragédias da política pública de segurança pública do estado fluminense — senão a maior”.
Entre as solicitações apresentadas ao relator da ação, ministro Alexandre de Moraes, estão a garantia de acesso imediato das famílias aos corpos, “com possibilidade de reconhecimento” e acompanhadas por advogado, defensor público ou representante de direitos humanos.
Os partidos também pediram a Moraes para autorizar a atuação de “peritos independentes” em paralelo ao trabalho da Polícia Civil, com o objetivo de garantir transparência e imparcialidade nos trabalhos, e determinou a inspeção urgente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) no Instituto Médico-Legal (IML) da Avenida Francisco Bicalho, “diante das condições insalubres relatadas”.
Nessa segunda, no Rio, Moraes se reuniu com Cláudio Castro. Segundo o governo fluminense, a operação se deu “dentro dos parâmetros legais e constitucionais”, com “uso proporcional da força” diante da ameaça representada pelo Comando Vermelho.
Decano do STF, o ministro Gilmar Mendes defendeu domingo nas redes sociais a ADPF.
“Ao julgar a ADPF das Favelas, o Supremo Tribunal Federal não proibiu operações policiais. O Tribunal apenas estabeleceu parâmetros para que essas ações sejam planejadas, proporcionais e transparentes, com o objetivo de reduzir mortes e proteger vidas, tanto de civis quanto de agentes públicos”, publicou.
