Adaptação climática demanda planejamento e análise de dados, alertam especialistas

 

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A busca por soluções para adaptar desde os campos até as cidades às transformações provocadas pelas mudanças climáticas foi tema de uma das mesas do seminário promovido pelos jornais O GLOBO e Valor Econômico e a rádio CBN nesta quinta-feira, no Rio. O debate destacou o papel do setor de seguradoras, da sociedade civil e do governo federal no fortalecimento da estrutura de adaptação dos municípios, além da necessidade das prefeituras se organizarem para pleitear pautas locais na COP30, que ocorre entre os dias 10 e 21 de novembro em Belém (PA).

O encontro faz parte da quinta e última rodada do projeto COP30 Amazônia, que visa reunir representantes do governo, da iniciativa privada e da sociedade civil. A conferência global tem como um dos seis eixos principais a discussão sobre a resiliência dos municípios diante das transformações no planeta. O tópico é o principal mote da sétima carta do presidente da COP30, André Corrêa do Lago, divulgada nesta manhã. O texto propõe que a adaptação climática seja tratada como "a próxima etapa da evolução humana" e "um imperativo de sobrevivência e cooperação global" e defende que este seja um tema central na COP30.

O painel reuniu Claudia Prates, diretora de Sustentabilidade da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg); Inamara Mélo, diretora do Departamento de Políticas de Adaptação e Resiliência da Secretaria Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente; e Valéria Braga, representante do International Council for Local Environmental Initiatives (Iclei) no Rio. A mediação foi de Daniela Chiaretti, repórter especial do Valor Econômico.

Como explica Mélo, uma das prioridades do governo federal é a implementação de um plano de adaptação para que as cidades consigam proteger os cidadãos.

— O Plano Nacional de Adaptação é o principal instrumento nacional para reduzir os impactos da mudança climática. É uma agenda extensa. O papel da pasta ambiental é coordenar essa agenda com os demais ministérios, o que é muito relevante para um país com o perfil do Brasil, onde há deficiência de políticas públicas, que precisam ser concretizadas.

Segundo estudo do Banco Mundial, os extremos climáticos têm causado, no Brasil, perdas anuais estimadas em R$ 13 bilhões. O relatório diz ainda que esses eventos podem levar à pobreza extrema até 3 milhões de brasileiros antes de 2030. O cenário evidencia a urgência de se ampliar a resiliência climática, do campo à cidade.

Prates destaca que o Brasil está “muito aquém” no desenvolvimento do mercado segurador, o que traz desafios para a implementação de ações que previnam desastres, e não apenas respondam à destruição. A CNSeg estima que o país perde R$ 500 bilhões pelo extremo no clima em uma década:

— A natureza está respondendo os efeitos das mudanças climáticas. O Sul Global é o mais afetado. É um desafio ter ações de adaptação e mitigação ao mesmo tempo. Temos que fortalecer a base de dados no Brasil que mostram os municípios que estão afetados. Quando falamos em resiliência dizemos sobre respostas, mas precisamos olhar antes para os riscos que podemos enfrentar. Precisamos de vários investimentos que os municípios devem olhar, e ser avaliados também.

Braga relembra a tragédia ocorrida no Morro do Bumba, em Niterói, há 15 anos. Após o desastre, a cidade implementou a primeira secretaria do clima do Brasil, o que passou a inspirar outros municípios.

— Há alguns anos, quando se pensava em mudança do clima se lembrava do urso polar. Não mais. A partir da tragédia em Niterói, acordamos para uma série de medidas. Uma delas foi o apoio da defesa civil para fazer a prevenção. O que é melhor e mais barato. A Defesa Civil de Niterói virou referência nacional. E o planejamento estratégico da cidade na área de contenção de encostas foi muito priorizado. Isso começou com um plano de risco, que tornou a cidade mais segura. Além disso, a cidade é 57% protegida. Precisamos estar atentos para o reflorestamento, drenagem, saneamento. Então fundou-se um grupo executivo para estudos e ação da mudança do clima. Foi muito interessante porque o conhecimento ficou ali.

Liderança das cidades

Segundo Prates, a educação ambiental para desastres é essencial e deve começar nas escolas. A diretora de Sustentabilidade da CNseg ressaltou que a sociedade deve cobrar que ações sejam feitas para proteger o meio ambiente e destacou o papel da contratação de seguros na segurança da população e econômica dos governos.

— A seguradora deve atuar como um auxiliador para trabalhar junto com governos para aumentar a resiliência. O seguro não é um curso, é uma proteção. Para o Brasil aumentar sua resiliência ele precisa de um seguro. O ideal é trabalhar em consórcio.

A importância da disponibilização de dados também foi ressaltada por Braga como uma maneira de auxiliar os municípios.

— O Iclei auxilia os municípios a partir da análise dos dados. Ai, em seguida, vem as soluções. Sempre é preciso pensar que as soluções devem ser integradas e envolver a sociedade civil. Os municípios precisam pensar no plantio de árvores para ajudar no resfriamento do planeta, por exemplo. São as cidades que conhecem os territórios. Eles liderarem essa transformação é muito importante. Os municípios não têm poder de decisão na COP30, por isso eles precisam estar organizados. A questão da mobilidade também é importante. Precisamos reduzir as emissões (de gases poluidores).

Braga cita maneiras dos municípios se organizarem por soluções:

— Alguns dos exemplos são jardins filtrantes, que filtram a agua que vai para as lagoas; jardins de chuva, que fazem a retenção dessa agua. Existem também biovaletas. Outra medida importante é a construção de ciclovias, para que a população possa andar pelo parque e o município não tenha problemas de emissões, além de projetos de renaturalização de rios.

Já entre as medidas presentes nas agendas do Ministério do Meio Ambiente está o AdaptaCidades, que visa apoiar dois mil municípios até 2035 com a facilitação de acesso a financiamento climático. Mélo ressalta ser necessário o entendimento de que medidas de enfrentamento às mudanças climáticas devem estar presentes nas agendas políticas das mais variadas áreas, de forma que o trabalho ocorra de forma integrada em diferentes esferas públicas.

— Os desastres são cada vez mais presentes e precisamos estar preparados. As ondas de calor mostram a necessidade de um conforto térmico nas cidades. Precisamos ter espaços públicos mais arejados e verdes. Medidas baseadas em soluções da natureza. Estão falando em medidas de educação. As mudanças no clima impactam no preço do alimento, por exemplo, e precisamos auxiliar pessoas em vulnerabilidade. É uma agenda de habitação, saneamento, educação e mobilidade urbana.

O impacto das secas e ondas de calor, que constituem um “risco ainda maior para os brasileiros” do que desastres provocados por chuvas, por exemplo, foi abordado por ela no seminário. Melo aponta também o esforço brasileiro da agenda costeira no enfrentamento de clima, para evitar que a população das regiões esteja vulnerável.

Planejamento

Braga ressalta que o impacto das mudanças climáticas agrava injustiças. Esse cenário é evidenciado no contexto em que 84% dos municípios foram afetados pelos extremos na última década:

— Adaptação é uma estratégia, não apenas respostas. Temos que pensar que adaptação é justiça social, saúde pública e sobrevivência. Todos somos impactados, uns mais outros menos. Mas o trabalho deve ser de todos.

Segundo Prates, o caminho da adaptação passa pela ajuda de toda a sociedade e o planejamento prévio de como lidar com a crise climática.

— A mudança climática já aconteceu. Espero que tenhamos uma economia mais preparada para isso. Adaptação fala muito sobre pessoas. A solidariedade precisa ser pensada antes. As pessoas precisam saber que precisam contar com uma segurança e saber o que fazer.

Melo afirma esperar que a COP30 auxilie na implementação das medidas já acordadas sobre o tema.

— A expectativa para a COP30 é ampliar o engajamento das pessoas sobre a pauta, que pode fazer parte de diversas agendas. Precisa do engajamento do governo e sociedade. Já sabemos o que precisa ser feito. Agora é preciso dar consequência ao planejamento. Colocar a mão na massa.

O projeto “COP30 Amazônia” é uma realização dos jornais O GLOBO e Valor Econômico e da rádio CBN com o patrocínio master de Eletrobras, patrocínio de JBS, Vale e Phillip Morris Brasil, apoio do Governo do Acre, BNDES, Governo do Pará, Suzano e Vivo e parceria institucional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds).