Acusado de desvio de verba pela Igreja Católica, aliado do prefeito de Maceió pagou R$ 97 milhões ao Banco Master
Um dos fundos de previdência que mais comprou papéis do Banco Master, o Instituto de Previdência dos Servidores de Maceió (Iprev) fez aportes de R$ 97 milhões sob a gestão de um aliado do prefeito João Henrique Caldas (PL), Ronnie Reyner Teixeira Mota, que também é acusado de desvio de verba pela Arquidiocese de Maceió. As suspeitas levantadas pela arquidiocese referem-se a emendas parlamentares, no valor de R$ 3,2 milhões, que deveriam ter custeado oficinas profissionalizantes voltadas para dependentes químicos.
Os supostos desvios ocorreram entre 2019 e 2024, e envolvem recursos destinados por JHC, como o prefeito é conhecido, quando ainda era deputado federal. Ronnie participou de atividades da primeira campanha de JHC à prefeitura, em 2020, e foi nomeado para dirigir o fundo de previdência do município em maio de 2023. Em dezembro do mesmo ano, o Iprev fez um primeiro aporte de R$ 80 milhões em letras financeiras do Banco Master. Em maio de 2024, o comitê de investimentos, também dirigido por Ronnie, comprou mais R$ 17 milhões em papéis do banco.
O Master foi alvo de liquidação pelo Banco Central no mês passado, e também entrou na mira de investigação da Polícia Federal, por suspeita de gestão fraudulenta. Pouco antes da liquidação do banco, mas já em meio a indícios de irregularidades na atuação do Master, JHC exonerou Ronnie do fundo de previdência, em setembro.
Em paralelo às aplicações no Master e à atuação na prefeitura, Ronnie também fazia parte do conselho fiscal de uma entidade beneficente, a Fundação Recriar, vinculada à Arquidiocese de Maceió. No início deste ano, após troca na gestão local da Igreja Católica, a arquidiocese ingressou na Justiça estadual com ação de prestação de contas contra Ronnie e o padre Walfran Fonseca, que foi tesoureiro da entidade.
Na ação, a arquidiocese cita indícios de irregularidades na aplicação de verbas pela fundação, e alega que não há comprovação de que os serviços foram devidamente prestados. A Igreja apontou que os problemas envolvem principalmente “valores recebidos via emendas parlamentares”.
A maior parte desse valor, totalizando R$ 1,7 milhão, foi destinada por JHC entre 2018 e 2020, quando exercia mandato na Câmara. Segundo a arquidiocese, depois que Ronnie assumiu o conselho fiscal da Fundação Recriar, houve a contratação de uma empresa, a Consult Talentos, para gerir os projetos realizados com as emendas. A empresa em questão tem como sócia Renata Mota, irmã de Ronnie.
“O ato de substituição da parceria presente no projeto inicial, consistente na contratação da empresa de irmã do presidente do conselho fiscal, atrai o interesse de investigação sob o pálio de favorecimento e até mesmo de desvio de valores e da finalidade estatutária da Federação Recriar”, diz a ação da arquidiocese.
Levantamento nas prestações de contas da Fundação Recriar mostra que a Consult foi a principal destinatária de recursos nos projetos tocados com emendas de JHC. Ao todo, a empresa recebeu R$ 701,4 mil em três convênios que tiveram recursos indicados pelo então deputado federal e atual prefeito.
Procurado, o prefeito não se manifestou sobre a destinação de emendas para a Fundação Recriar. Já Ronnie disse que a fundação captou emendas de outros parlamentares por ter “procurado a todos de forma isonômica, para que não ficasse vinculado a uma só pessoa o recebimento das emendas”.
Ele afirmou ainda que o conselho fiscal “nunca teve o poder de decidir quem seria contratado ou não”. A defesa de Ronnie, na ação movida pela arquidiocese, alega que ele não é “parte legítima”.
— Isso é uma briga interna na Igreja. Mas confio na Justiça e creio que teremos uma decisão favorável sobre minha ilegitimidade nesse processo.
Ronnie não quis se pronunciar sobre os investimentos no Banco Master, e orientou que a reportagem procurasse a atual gestão do instituto de previdência de Maceió. O instituto afirmou, em nota, que a exoneração de Ronnie “não teve relação” com as investigações envolvendo o Banco Master, e que ocorreu “em meio a uma ampla reforma administrativa promovida no município”.
O fundo informou que instaurou processo para “analisar a conformidade dos investimentos” no Master e que está em contato com órgãos reguladores do governo federal “para se inteirar sobre o processo de devolução dos recursos investidos e desdobramentos da liquidação financeira”.
