Abertamente candidata, mulher de Boulos adota sobrenome para campanha e tensiona PSOL
O anúncio da candidatura da ativista Natália Szermeta, mulher de Guilherme Boulos (PSOL), a deputada federal em São Paulo no próximo ano virou mais um foco de insatisfação em grupos divergentes dentro do partido. O movimento antecipado foi visto como uma tentativa de concentrar o espólio eleitoral do agora ministro da Secretaria-Geral da Presidência, que não deve disputar um novo mandato em 2026, sem permitir debate interno.
Alguns membros do partido consultados pelo GLOBO afirmam, sob reserva, que a militante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) não é unanimidade dentro da bancada, apesar de ser uma figura respeitada. Dizem, por exemplo, que costuma agir com impaciência diante de discordâncias políticas internas e não tem experiência parlamentar prévia. Houve queixa ainda sobre o “atropelo” do processo, conduzido pelo grupo de Boulos, do qual a presidente do PSOL, Paula Coradi, faz parte.
— Não há ruído, a tática eleitoral para 2026 vem sendo debatida de modo aberto e amplo dentro do PSOL — contesta a dirigente. — A Natália tem legitimidade para ser candidata, é dirigente do partido e vem do movimento social, onde foi feito o debate para a construção de sua candidatura. Todas nossas candidaturas são complementares e vão oferecer ao eleitor uma alternativa democrática de esquerda.
A candidata foi procurada pelo GLOBO, mas não deu entrevista.
Desde o final de semana, Natália trata abertamente da candidatura nas suas redes sociais. Um detalhe que chama atenção é o uso do sobrenome do marido, algo que deve se estender às urnas. Antes de trilhar o caminho eleitoral, ela mantinha em destaque o Szermeta, que herdou de seu pai, o ex-sindicalista e metalúrgico Stanislaw. De origem alemã e polonesa, “Stan” chegou ao Brasil em 1949, aos quatro anos de idade. Foi preso e torturado pela ditadura militar, em 1971, antes de militar no PT e no PSOL.
Uma fonte ouvida pelo GLOBO disse, com uma certa dose de exagero, que o uso do sobrenome Boulos nas urnas lembra a prática de oligarquias políticas brasileiras, como os Sarney. Aponta ainda que não deixa de ser contraditório que o partido, que tem entre as suas pautas fundamentais a defesa do protagonismo feminino, se deixe levar por esse atalho estratégico para aumentar suas chances. Boulos e o MTST poderiam ainda ter priorizado outros aliados, como a deputada federal Erika Hilton, o ex-presidente Juliano Medeiros, que tenta substituir Ivan Valente, ou a deputada estadual Ediane Maria, esta oriunda do movimento.
— A Natália sempre foi uma mulher que puxou esse debate e pautou a luta das mulheres. Ela é carismática e tem muita consciência de classe — declarou Ediane, que ingressou no movimento em 2017 e atribui parte da sua formação à colega de partido. Segundo ela, a candidatura foi uma decisão coletiva do MTST e partiu da necessidade de “ter uma pessoa nossa lá ocupando o espaço”. A candidatura pode ser avaliada pelos pares mais à frente, segundo ela, mas a deputada não vê possibilidade de retroceder.
A tendência é que elas atuem juntas, em uma “dobradinha”, como principais representantes do MTST no estado.
Natália ingressou no MTST em 2008, aos 18 anos, quando estava envolvida apenas com o movimento estudantil. Seu primeiro contato com o movimento ocorreu na ocupação Chico Mendes, que ficava na divisa entre Taboão da Serra com o bairro do Campo Limpo, na zona sul de São Paulo. Participou, no primeiro ano, como acampada, onde diz ter aprendido “a viver em coletivo”. O movimento deu origem ao condomínio João Cândido, a partir de negociação com o poder público para construção de moradias.
Ela própria foi uma das beneficiárias do “Minha Casa, Minha Vida” daquele empreendimento, em 2013, adquirindo apartamento financiado a valores subsidiados pela Caixa. À época, segundo reportagem do UOL, declarou renda de R$ 700 por mês e estado civil solteira para ter direito ao imóvel. Natália diz que nunca morou no apartamento e que o cedeu, de maneira informal, a uma companheira sem teto. A postura está em desacordo com as regras do programa, que exige moradia no local.
— Quando o condomínio ficou pronto, eu já era mãe, tinha duas filhas, estava morando em outro lugar. Aí efetivamente eu não morei no apartamento, preferi doar. Fiz uma doação para a entidade e ela selecionou uma outra família que também precisava e também cumpria os critérios — declarou ela em vídeo divulgado nas contas do marido, no ano passado, que reconstitui a sua trajetória.
Natália foi presidente da Fundação Lauro Campos e Marielle Franco, o centro de “formação política e elaboração programática” do PSOL, e atualmente está na executiva nacional do partido. Teve pouco destaque, contudo, nas campanhas eleitorais anteriores de Boulos. Acompanhava o deputado em debates eleitorais, por exemplo, mas não era tão ativa na equipe. Nos bastidores, porém, demonstra influência e cobra o deputado quando cede demais.
Neste domingo, 14, a futura candidata discursou no carro de som da Avenida Paulista, durante manifestação de esquerda contra o Congresso e a aprovação do PL da Dosimetria na Câmara dos Deputados. Puxou ali uma vaia contra o presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos), e seus “comparsas”. Ironizou a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, dizendo que parou o Brasil apenas “para comemorar”, e não em protesto, e cutucou os parlamentares. “Eles que não trabalham o dia inteiro”, disse ela, “resolveram dar um golpe às duas da madrugada”.
A disputa interna do PSOL tem ainda como pano de fundo a própria decisão de Boulos de entrar no governo Lula (PT), abrindo mão de tentar a reeleição. Outras correntes lideradas por parlamentares como Sâmia Bomfim (PSOL-SP) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS) defendiam uma postura de distanciamento e questionam a estratégia do ponto de vista eleitoral. Boulos teve mais de 1 milhão de votos na eleição passada em São Paulo, ajudando a formar uma bancada de cinco deputados.
O partido está pressionado pela cláusula de desempenho, que obriga as siglas a obter pelo menos 2,5% dos votos válidos em todo o Brasil ou eleger 13 parlamentares, nos dois casos, distribuídos em ao menos nove estados, para ter direito ao fundo partidário. A receita serve para financiar as atividades regulares do partido. O resultado também influencia diretamente o acesso ao fundo eleitoral nos quatro anos seguintes, com fatias proporcionais que dependem da quantidade de eleitos na Câmara e no Senado.
