‘A única coisa estável no Brasil é a instabilidade’, diz Bernado Mello Franco, que lança livro sobre governo Bolsonaro

 

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O colunista Bernardo Mello Franco, do GLOBO, volta ao passado recente do país para propor uma nova leitura dos textos que publicou entre a eleição de Jair Bolsonaro, em 2018 e a tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. As colunas estão agora reunidas no livro “Arquitetura da destruição: Um diário da era Bolsonaro, do palanque à condenação”, da Autêntica Editora, e compõem uma espécie de diário da escalada autoritária do período.

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A obra acompanha momentos-chave dos anos Bolsonaro: a campanha de 2018 marcada pela tensão e pela violência; a facada que teve como efeito colateral blindar Bolsonaro de críticas; a pandemia, enfrentada por um governo que “brigou com a verdade durante a maior crise sanitária da história”; e o “sequestro” de símbolos nacionais como a bandeira.

— Quem enfrentar essas páginas vai ver que desde 2018 já identificávamos na candidatura do Bolsonaro um projeto claramente autoritário, que inevitavelmente provocaria uma crise institucional — diz o colunista.

No entanto, Mello Franco pontua que nem quem acompanhava diariamente o tema considerava a dimensão dos bastidores revelados pelas investigações:

— Era de se esperar que o Bolsonaro tentasse um golpe para permanecer no poder se fosse derrotado em 2022, mas ninguém sabia ao certo como isso se daria. E acho que até eu me surpreendi com os detalhes da conspiração que vieram à tona nas investigações: o “Punhal Verde e Amarelo”, o plano para matar o Lula…

Cerco à imprensa

O período, lembra Mello Franco, foi marcado pelo cerco à imprensa, notabilizado por ataques ao jornalismo profissional, especialmente mulheres, e lembra que a mídia precisou se organizar para obter dados sobre a pandemia.

— Governantes autoritários, de esquerda ou de direita, enxergam a imprensa como inimiga. Um dos momentos mais graves dessa trajetória foi quando o governo deu ordem ao Ministério da Saúde para esconder os dados de mortos na pandemia. Os principais veículos precisaram montar um consórcio para apurar por conta própria — lembra.

O título do livro de Mello Franco vem de uma coluna do final de 2019. Naquele ano, Bolsonaro declararia: “O Brasil não é um terreno aberto, onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa”.

Para Mello Franco, a frase não era retórica, e sim um programa de governo.

— Ele queria capturar órgãos de controle, esvaziar instâncias de participação popular, demolir os pilares da Constituição de 1988. Nenhum analista definiu tão bem o governo Bolsonaro quanto o próprio Bolsonaro.

Na publicação, o colunista aponta que a extrema direita fincou raízes duradouras no país. Para 2026, ele enxerga um campo conservador sem candidato natural, mas lembra que, na política, o improvável costuma comandar o roteiro.

— Em 2014, um candidato morreu num acidente aéreo. Em 2018, outro levou uma facada. Em 2022, o presidente colocou a polícia na rua para tentar impedir pessoas de votar. Na política, aprendemos que a única coisa estável no Brasil é a instabilidade.

No Rio, o lançamento de “Arquitetura da destruição” será na próxima quarta-feira, às 19h, na Livraria da Travessa de Botafogo, com um bate-papo com o sociólogo Celso Rocha de Barros. Estão previstos lançamentos em São Paulo, Brasília e Belo Horizonte, com a presença do colunista.