A solução da crise climática passa pelas cidades; veja projetos inspiradores
Eventos como calor e frio extremos, furacões e inundações têm afetado intensamente as cidades, que são atores fundamentais no combate às mudanças climáticas. Por outro lado, projetos incentivados por governos locais são implementados em várias partes do mundo, em áreas que vão de energia limpa a arborização urbana e gestão de resíduos.
São iniciativas que inspiram líderes ao redor do globo e que se destacam em premiações como a Bloomberg Philanthropies Local Leaders Climate Awards, que neste ano foi realizada no Rio de Janeiro, em um evento pré-COP30. O prêmio é uma parceria com a rede global C40 Cities, composta por 97 cidades comprometidas com o enfrentamento climático.
— Este ano celebramos 20 anos da C40. Em 2005, um pequeno grupo de prefeitos visionários criou esta organização porque temiam que ninguém mais tomasse a iniciativa. Hoje, os resultados falam por si: 73% das nossas cidades, para as quais temos dados, atingiram o pico das suas emissões, reduzindo-as mais rapidamente do que os governos nacionais — afirma o diretor-executivo da C40, Mark Watts.
A C40 e outras redes independentes de cidades sustentáveis servem de modelo para ações inéditas no Brasil, como a criação da Rede Brasileira de Cidades Resilientes. Lançada na COP30, pelo Instituto Bem Ambiental (Ibam), a nova rede visa auxiliar municípios de pequeno e médio portes a atenderem os requisitos do financiamento climático, por meio de capacitação e formação de equipes e de estruturação e modelagem de projetos de adaptação.
— Vamos trabalhar com uma governança compartilhada. Abriremos um edital para que municípios submetam propostas e demandas, e 50 serão selecionados, considerando a diversidade de realidades, regiões e escalas. A ideia é chegar a 300 municípios em cinco anos — diz o presidente do Ibam, Sergio Myssior.
Segundo o diretor-executivo do Ibam, Thiago Metzker, a ideia é conectar a nova rede de cidades brasileiras a outras, como a C40, para trocas e colaboração.
Veja a seguir cinco exemplos inspiradores de cidades em diferentes continentes que têm se destacado no enfrentamento da crise climática.
Quito: mobilidade verde e plano para lidar com vulcões
O metrô já evitou a emissão de 107 mil toneladas de CO2 por ano
Divulgação
Quito tem avançado em mobilidade sustentável e tratamento de água. Um dos destaques é o metrô da cidade, inaugurado há dois anos como parte de uma política social e ambiental.
— Agora, as pessoas se deslocam em até uma hora e meia a menos. E o sistema evita a emissão de cerca de 107 mil toneladas de CO₂ por ano, o equivalente ao plantio de aproximadamente 5 milhões de árvores — diz o prefeito Pabel Muñoz.
A frota de ônibus de transporte rápido (BRT) também está sendo renovada: os 60 novos veículos são elétricos, e a meta é que toda a frota operada pelo município seja movida a eletricidade e que a energia seja gerada pela própria cidade por painéis solares.
Por estar localizada a 2.850 metros de altitude, a capital do Equador enfrenta dois tipos de risco: o da escassez de água, que aumenta a probabilidade de incêndios, e a do excesso, que pode causar deslizamentos. Em áreas afetadas por incêndios, o projeto “Quito Mais Verde do que Nunca” visa plantar 500 mil árvores nativas. Já para evitar que chuvas intensas cheguem de maneira brusca às zonas urbanas, obras estão sendo feitas para reduzir a velocidade da água e melhorar a captação. Há ainda a previsão de investimento de US$ 1 bilhão para tratar 100% do esgoto.
Existem iniciativas também voltadas para os vulcões, chamados por Muñoz de “antigos e perigosos vizinhos”. Segundo ele, os riscos estão principalmente na queda de cinzas, nos deslizamentos e nos fluxos de água e lodo decorrentes do degelo — o Cotopaxi é um vulcão nevado. Para lidar com eles, a cidade desenvolveu um sistema de gestão de desastres, apontado pelas Nações Unidas como um dos melhores da América Latina.
Paris: mais árvores nas ruas e menos vagas para carros
Após referendo, mais 500 ruas serão fechadas para carros em Paris
Anita Pouchard Serra/Bloomberg/1/7/2025
Em 25 anos, Paris mudou radicalmente. Desde a virada do século, o tráfego de carros na cidade caiu à metade e, nos últimos 20 anos, os níveis de poluição por dióxido de nitrogênio foram reduzidos em 50% e os de partículas finas, em 55%.
— Quando assumi a prefeitura, era impossível respirar. Decidimos fechar ruas, reduzir a circulação de veículos no entorno das escolas e plantar mais árvores e jardins. As pessoas acharam que a prefeita estava maluca, mas nós precisávamos disso. Hoje, ninguém quer voltar ao que era antes — diz Anne Hidalgo, que assumiu a prefeitura de Paris em 2014 e foi reeleita em 2020.
O plano inicial foi fechar 300 ruas, das quais mais de cem já foram revitalizadas, com vegetação adicional, ampliação de calçadas, bloqueio do tráfego de veículos e instalação de mobiliário urbano. A prefeitura também acabou com 10 mil vagas de estacionamento desde 2020.
Em março passado, parisienses aprovaram um referendo para fechar mais 500 ruas (de cinco a oito por bairro) para o tráfego de carros, priorizando pedestres e áreas verdes. O referendo eliminará mais 10 mil vagas de estacionamento e, onde não for possível plantar árvores, novas torres de resfriamento serão instaladas.
— Os cidadãos são os principais atores. Se você quer ter os benefícios, tem que envolvê-los nas suas decisões — defende Anne Hidalgo.
Além do processo contínuo de arborização da cidade, houve expansão maciça de ciclovias e despoluição do Rio Sena, que, neste verão, pela primeira vez desde 1923, foi aberto a banhistas.
Freetown: ação contra desmatamento gera renda
Moradores são pagos para plantar árvores: mais 5 milhões até 2030
Divulgação
Situada na costa atlântica de Serra Leoa, Freetown sofre com o desmatamento. Nas últimas décadas, perdeu cerca de 70% de sua área florestal para a produção de carvão e a construção civil. O crescimento de moradias informais em áreas de risco ainda aumenta a vulnerabilidade local.
O principal programa de adaptação e mitigação é o “Freetown, The Tree Town” (Freetown, a Cidade-árvore), que é parte do plano “Transform Freetown”, lançado em 2019 pela prefeita Yvonne Aki-Sawyerr, que ocupa o cargo até hoje.
— Desde 2020 já plantamos 1,2 milhão de árvores. Queremos atingir 5 milhões em 2030 — diz Yvonne, que também é copresidente do C40 desde 2023.
A campanha foi premiada em 2022 e reconhecida internacionalmente como case de sucesso em soluções baseadas na natureza. A iniciativa gera emprego e permite o patrocínio de árvores por um sistema de tokens digitais.
Moradores são pagos para plantar e cultivar árvores e manguezais, que recebem identificadores únicos e são monitorados pelo aplicativo Tree Tracker. Assim, cada planta pode ser associada a um token de impacto, instrumento financeiro que pode ser comprado por indivíduos ou empresas. Os patrocinadores podem acessar dados como localização, espécie, cuidador, captura estimada de carbono e status de sobrevivência da planta.
O dinheiro da venda dos tokens ajuda a remunerar o cuidador de acordo com seu desempenho. A iniciativa é financiada também por doadores internacionais, fundos climáticos e agências multilaterais.
Oslo: caminhões a biogás gerado a partir do esgoto
Caminhões com emissão zero têm isenção de pedágio por cinco anos
Oslo Climate Agency/Cidade de Oslo/Divulgação
Lançado em 2020, o projeto Fossil Free Trucks (Caminhões Livres de Combustíveis Fósseis) foi premiado pela Bloomberg Philanthropies este ano, na categoria Transporte Limpo e Confiável. Seu objetivo é acelerar a transição de veículos pesados, grandes emissores de carbono, para emissão zero.
Em Oslo, caminhões que não usam combustíveis fósseis são promovidos por meio de um conjunto de políticas, a começar por licitações que exigem transportes com emissão zero em projetos municipais. Os veículos devem ser elétricos, ou movidos a biogás, produzido a partir do esgoto da cidade.
De acordo com a prefeitura, toda a água residual de Oslo será utilizada para a produção de biogás e recuperação de energia. Nas duas estações de tratamento da cidade, foram produzidos, em 2024, cerca de 14 milhões de metros cúbicos normais (Nm³) de biogás, que abastecem, por exemplo, ônibus e caminhões de coleta de lixo.
Como forma de incentivo à transição energética, a prefeitura também construiu, com recursos de um fundo para clima e energia, carregadores rápidos dedicados à recarga elétrica de veículos pesados. Outra medida foi a isenção de pedágio, por cinco anos, para caminhões de emissão zero.
Hoje, 16% da frota de caminhões pesados é de emissão zero. Entre os novos, vendidos em 2025, 23% são a biogás, 13% são elétricos e 64% são a diesel fóssil. Segundo a prefeitura, esses números indicam que as políticas municipais estão funcionando, mas a transição precisa ocorrer de forma mais rápida para que Oslo atinja suas metas de redução de emissões.
Quezon City: programa dá recompensa por itens recicláveis
Moradores trocam lixo por pontos usados para pagar contas
Freepik
Estudo publicado na Science Advances em 2021 apontou que 80% dos resíduos plásticos provêm de rios e sete dos dez rios mais poluídos por plástico no mundo estão nas Filipinas. Parte disso se deve à cultura local de consumo de produtos em pequenas quantidades, a um preço mais baixo, conhecida como “economia de sachês”. A situação se agravou com a Covid-19, devido ao aumento de resíduos de uso único, levando a prefeitura de Quezon City a lançar, em 2021, o programa Trash to Cashback (Lixo transformado em dinheiro de volta), que oferece recompensa por itens recicláveis. Neste ano, o projeto foi premiado pela Bloomberg Philanthropies.
A cidade estabeleceu dez postos permanentes, além de quiosques temporários em bairros e escolas, em que os moradores trocam recicláveis limpos, como papel, papelão, metais e garrafas PET por Pontos Ambientais (EPs), que podem ser usados para pagar contas de luz, água, internet ou trocados por mantimentos.
Os EPs podem ser creditados numa conta digital ou, se o morador preferir, ele pode se cadastrar num dos postos físicos do programa e receber uma espécie de cartão de débito de Pontos Ambientais. A prefeitura tem parcerias diversas, desde empresas de tecnologia, que cuidam da logística e triagem dos recicláveis e das contas digitais, até empresas que compram materiais recicláveis.
Dados da Bloomberg indicam que, até junho de 2025, o Trash to Cashback havia desviado mais de 639,5 toneladas de resíduos dos aterros, ajudando famílias a suprir necessidades básicas. O programa já foi reconhecido por outras organizações internacionais, destacando-se como prática replicável em nações do Sudeste Asiático.
